SINAPSE: o auge da tempestade

Evicshen, chik white, barulhos e a espuma do mar

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (às quintas-feiras).

 

ESPUMA DO MAR

Evicshen, chik white e o barulho

 

Deparei-me recentemente com o trabalho de Evicshen (Victoria Shen), intérprete de música experimental, artista sonora e fabricante de instrumentos que mora em São Francisco, nos EUA. O trabalho de Shen é barulhento e manipula sintetizadores modulares analógicos e outros eletrônicos construídos por ela, evitando convenções de harmonia e ritmo em favor de texturas extremas.

Hair Birth (2020), seu álbum mais recente, é explosivo. Embora os sintetizadores sejam a espinha dorsal da música de Shen, é ao vivo que explora todo o seu potencial. Os seus sets tendem a ser site specific, em resposta direta às qualidades físicas e acústicas do espaço em que atua. “Seu show oscila entre momentos de contenção e ondas de movimento frenético e de confronto”.

O que mais me chamou a atenção no trabalho de Evicshen é o excesso, o ruído e o barulho como a manifestação de algo extremo que ataca os nossos sentidos. Hair Birth é como uma falha de informação, a cacofonia dos subprodutos de uma tentativa de comunicação que não se concretizou.

Embora seja uma pesquisa completamente diferente, Hair Birth me lembrou das gravações de campo de chik white (Darcy Spidle), um sujeito da Nova Escócia, no Canadá, que costuma registrar tempestades. No álbum sea foam floods the road – Hurricane Lee recordings, ele escreve: “Parece que adquiri o hábito de gravar um álbum de campo toda vez que uma grande tempestade nos atinge aqui na costa leste da Nova Escócia. As duas últimas grandes tempestades, Dorian e Fiona, nos atingiram bastante. Então, fiquei ansioso com a aproximação do furacão Lee. Felizmente, Lee era razoavelmente manso deste lado da província. Mesmo assim, o vento açoitou a nossa costa durante boas 24 horas e o oceano ficou tão furioso como nunca o vi. Alguns dos paredões próximos daqui foram rompidos; o município até instalou um limpa-neves para afastar as pedras da antiga rodovia. Durante o auge da tempestade, minha família e eu passamos de carro pela praia de Lawerencetown, onde a espuma do oceano inundou a estrada e chicoteou o ar. Parecia que uma tempestade de neve tinha acabado de cair – uma cena selvagem (e de onde tirei o nome deste lançamento)”.

Na faixa “chimney”, chik white conseguiu sem querer um registro interessante: colocou o microfone dentro de uma chaminé na área externa de sua casa, que acabou registrando harmônicos do vento, como se fosse uma flauta. O registro me lembrou do Órgão no Mar, na Croácia, uma obra arquitetônica e também um instrumento musical experimental que toca música por meio de ondas do mar e os tubos localizados sob um conjunto de degraus de mármore.

Há algumas semanas escrevi sobre os efeitos estéticos da mudança climática na música. Entre artistas que saturam seus instrumentos, transformando harmonia em barulho, e outros que fazem o contrário, interpretando os ruídos da natureza através de notas musicais, o curioso é notar como essa interpretação se faz não só como uma tentativa de retomar algum tipo de comunicação com a natureza, mas também de transformar a qualidade de nossa relação com ela.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte