Wilco Escancara Seus 20 Anos

Banda celebra duas décadas de atividade unindo qualidade e princípios

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Talvez a contagem dos anos não seja a mesma entre bandas de Rock e as pessoas. Quando fazemos 20 anos, apesar de já termos algumas histórias para contar e nos acharmos donos de inegável sabedoria, temos (espero!) ciência de que muito está por vir e que iremos ainda evoluir bem mais. No caso de um grupo musical, parece que tudo o que poderia ser feito e vivido já veio e se foi. Esta tendência parece se confirmar à medida em que avançamos neste século 21. Um pequeno olhar para as bandas formadas recentemente e que estão em atividade nos faz duvidar que uma grande quantidade delas queira chegar ou chegue ao vigésimo aniversário de existência. Com Wilco parece ser bem diferente: a banda está animadíssima com suas 20 primaveras e convida seus fãs ocasionais e dedicadíssimos para vários tipos de banquetes e comemorações, seja relembrando canções favoritas ao longo do tempo ou revelando versões alternativas e gravadas ao vivo, que nunca viram a luz do dia. De qualquer maneira, quem ganha é o ouvinte, ou seja, nós.

Jeff Tweedy (guitarra e voz), Nels Cline (guitarra), John Stirratt (baixo), Glen Kotche (bateria), Pat Sansone (guitarra/teclados) e Mikal Jorgensen (teclados) compõem a formação da banda que permanece inalterada desde 2004. Não foi assim na primeira década da vida de Wilco, quando a banda surgiu como uma consequência natural do fim de outro grupo, Uncle Tupelo, em 1994. A partir daí, o guitarrista e vocalista Jay Farrar decidiu seguir adiante sem o resto da band, formando Son Volt. Tweedy, Stirratt e mais o baterista Ken Coomer decidiram levar o que havia de Country Alternativo no som praticado até então e formaram Wilco. Após o lançamento de um álbum de estreia AM, em 1995, com recepção moderada da crítica e dos velhos fãs, parecia que Son Volt teria mais sucesso em sua carreira, pois via seu primeiro trabalho, Trace, lançado pouco antes, surgir como um dos grandes discos de 1995. De qualquer forma, o tempo daria razão a Tweedy e seus amigos. Já no segundo trabalho, Being There, um disco duplo, Wilco mostrava pretensão de misturar a sonoridade original com Rock Psicodélico, Powerpop e até algumas inflexões Soul. Receberam convite da filha de Woody Guthrie, Nora, para musicar letras inéditas deixadas para trás e encontradas por ela. Para trabalhar com a banda veio o inglês Billy Bragg. Os resultados seriam lançados em três álbuns, entre 1998 e 2012, conhecidos como Mermaid Avenue. Com o trabalho seguinte, Summerteeth (1999), considerado por muitos fãs como o melhor da história da banda, Wilco atingiu o máximo de seu brilho Pop, juntando ganchos melódicos e arranjos tecladeiros, alternando contemplação Folk com felicidade urbana, tudo junto.

A partir deste terceiro álbum tiveram início as tensões entre a banda e sua gravadora, a Reprise Records. Tudo aumentaria exponencialmente no disco seguinte, o controvertido Yankee Hotel Foxtrot, lançado em 2002 na esteira do 11 de setembro e com Tweedy enfrentado problemas com drogas e desgaste com seus companheiros de banda, entre eles, Ken Coomer, que deixaria Wilco a partir daí. O álbum teve problemas na mixagem, chegou a ser rejeitado pela gravadora, o que causou a saída da banda, que, dessa vez com contrato assinado com a Nonesuch, teve autonomia para colocar o disco no mercado, mas com atraso de dois anos. Foi neste intervalo entre contratos para lançamento, que Wilco decidiu fazer algo relativamente pioneiro na época: disponibilizar as canções em streaming no seu site. Com o ruído causado pelo problema com as gravadoras e a possibilidade dos fãs em ter contato com as canções, quando lançado, Yankee Hotel Foxtrot chegou ao 13º lugar da Parada Billboard, a melhor colação de um álbum da banda até então.

O trabalho seguinte, A Ghost Is Born, foi gravado pela banda fora de Chicago, sua cidade natal. Na produção estava o premiado Jim O’Rourke, que mixara o trabalho anterior. Com o lançamento em 2004, a banda novamente disponibilizou as canções para audição em streaming, com belos resultados. Quando lançado, o disco chegou ao Top Ten da parada americana, levando o Grammy de Melhor Álbum Alternativo, entre outras premiações. Como fecho desta fase, a banda gravou Kicking Television, um álbum duplo ao vivo, trazendo sucessos de sua primeira década de atividade, que se encerrava ali. Como um pequeno detalhe: é desta época a passagem de Wilco no Tim Festival, no Rio de Janeiro, com show antológico. Entre 2004 e 2014, Wilco teve uma década bem menos agitada, lançando apenas três discos: Sky Blue Sky (2007), Wilco The Album (2009) e The Whole Love (2011). Apesar do ritmo de produção apresentar algum sinal de queda, os resultados sempre mantiveram-se no mesmo nível dos primeiros trabalhos, levando adiante a proposta sonora do grupo.

E qual é essa proposta sonora? O que a banda tem de tão interessante para ter lugar reservado nas predileções de tantos fãs de música? Com o lançamento de What’s Your 20? Essential Tracks 1994-2014, Tweedy e seus compadres oferecem uma coletânea dupla padronizada, mas que tem o charme de ter suas faixas escolhidas por votação dos fãs no site do grupo. Nada mais natural, uma vez que Wilco é uma banda que sempre se valeu do contato com sua base de admiradores desde muito cedo. Fica evidente o grande atrativo que o conjunto exibe, digamos, ideologicamente: ser bem sucedido comercial e criativamente, sem ter cedido às pressões mercadológicas e à derrocada das formas mais convencionais da Indústria Musical. Sempre foi possível perceber que Jeff Tweedy teve noção clara do que gostaria de gravar e que esse desejo foi sempre levado à execução sem concessões. Quando foi preciso fazer algo neste sentido – na questão Reprise Records – a banda pediu seu boné e seguiu adiante com sua intuição. Claro, tal atitude dá um alento ao ouvinte, que, além de admirar a criatividade, passa a admirar a postura ideológica e política da banda, sem que seja necessário um único verso panfletário. Tudo discreto e eficaz.

Neste álbum duplo de fim de ciclo estão 38 grandes canções de todas as fases da carreira de Wilco. De Box Full Of Letters a Handshake Drugs, de Casino Queen a Shot In The Arm, de I’m The Man Who Loves You a Impossible Germany, não há nada desnecessário para os fãs ocasionais, que desejam ter um CD bonitão com as músicas, encartes, histórias e tudo mais que não seja apenas o som. O grande banquete, no entanto, não está na coletânea, mas na caixa quádrupla Alpha Mike Foxtrot que faz uma verdadeira investigação padrão Arquivo X na carreira do grupo. São inúmeras versões alternativas às originais, registros ao vivo e muitas crocâncias que cobrem com precisão estes 20 anos de existência. Fica banal citar as pérolas constantes na caixa por aqui, você deve correr atrás porque há várias maneiras de ouvir as canções aqui e ali. É muita coisa boa, acredite.

O que fica disso tudo, pessoal? Fica uma constatação que surgiu quando preparávamos a pauta para este texto: Wilco é uma banda que tem seus princípios e reservas morais mas que, acima de tudo, quer celebrar seus vinte anos de existência com os fãs, que, tenho certeza, são vistos pelos integrantes da banda como a única razão para que ela tenha durado tanto tempo. Numa época de modernidade líquida (alô, Baumann!) qualquer estrutura, compromisso, status, situação que dure um pouco mais já surge como motivo de celebração para poucos e bons. Wilco, mesmo longe da superexposição, dos holofotes da fama, das revistas de fofoca, manteve-se vivo e se adaptando às mudanças dos últimos vinte anos. Sua mistura sonora, sua abordagem da América para o americano médio, das distâncias, da solidão em bloco das cidades e de vários paradoxos da modernidade constituem a seriedade necessária para que sua música seja ouvida e apreciada com o cérebro e num modo de autoinvestigação. Se você não conhece a banda, acredite, ela está te dando um passaporte sem restrições para sua obra. Não vá se perder.

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ARTISTA: Wilco
MARCADORES: Discografia

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.