A Liberdade Jazzística de Robert Glasper Experiment

Banda reconstrói gêneros da música negra sob a perspectiva única do Jazz

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Sabe aquele disco lançado há algum tempo que você carrega sempre com você em iPod, playlist e coração, mas ninguém mais parece falar sobre ele? A equipe Monkeybuzz coleciona álbuns assim e decidiu tirar cada um deles de seu baú pessoal e trazê-los à luz do dia. Toda semana, damos uma dica de obra que pode não ser nova, mas nunca ficará velha.

Black Radio (2012)

Além de Flying Lotus, Kamasi Washington, Thundercat e outros nomes do catálogo do selo Brainfeeder, outros tantos artistas atuais também são responsáveis por trazer o Jazz a um novo público e apresentá-lo a uma nova geração que cresceu com a imagem de um estilo extremamente complicado ou dono de uma erudição que não é necessariamente o caso para muito dos jazzistas neófitos que estão tentando reinventar o gênero. O pianista Robert Glasper é um deles e, até então, tem feito um ótimo trabalho em tentar reorientar o que as pessoas pensam sobre o Jazz.

A fase de jazzistas geniais como Miles Davis, Charlie Parker e John Coltrane já passou, mas, além de suas obras, ficaram também na história seus ensinamentos sobre como fazer algo que transcendesse o estilo, se tornando algo novo, visceral, revolucionário – em outras palavras, algo épico. Basta ouvir obras como In a Silent Way e Bitches Brew, de Davis, Bird & Diz, de Parker, ou A Love Supreme e Blue Train, de Coltrane, para ter uma noção do legado deixado por esses músicos excepcionais. Black Radio trata de discos como estes e dos ensinamentos deixados por esses mestres na cultura jazzística, mas não exatamente de uma forma reverencial.

Robert e seu trio, Robert Glasper Experiment, questionam a forma de como se produz Jazz (e a música no geral) hoje em dia e o faz quando emancipa o estilo dos grandes floreios e de uma aura mais pesada que carregou nas últimas décadas. O músico trata o estilo como muito mais que uma uma simples estética ou resultado de uma técnica ao misturá-lo com gêneros mais modernos e desdobramentos da música negra, tais como Rap, R&B, Soul e Hip Hop. O resultado é simplesmente incrível e muito mais interessante do que você pode inicialmente pensar vendo esse misto de gêneros.

“Quando as pessoas pensam em músicos de Jazz, tendem a nos colocar todos num mesmo balaio (…) pensam em músicos tentando ser somente uma coisa, tentando ser Charlie Parker ou algum outro. Você entende o que eu quero dizer? (…) As pessoas sofreram tanta lavagem cerebral que não sabem mais o que é bom e o que é ruim (…) Qualquer coisa popular, mesmo que ruim, é o que dita o rumo da música nos dias de hoje. 98% das coisas que tocam na rádio são ruins. 98% dos músicos são ruins. Hoje em dia, a média está tão baixa que as pessoas não apreciam mais música (…) E as pessoas não pensam mais. Elas não sabem o que fazer com o sistema, elas só o seguem (…) O melhor que você pode fazer a elas é ser honesto”, desabafa Gaspler e seu trio em um diálogo captado logo após a ótima faixa Gonna Be Altight.

E essa honestidade libera o músico de qualquer amarra ou de seguir qualquer tendência ou hype medíocre que tenha-se instalado na música popular durante os últimos anos. O melhor de tudo, é que Robert sabe como ninguém aproximar sua música de elementos da cultura Pop sem “imbeciliza-la” ou deixa-la simples demais ao ponto dos ingredientes que mais se primam no Jazz estarem diluídos demais e passarem despercebidos. Assim como Miles, Charlie e John, Glasper transcende os limites do estilo, experimenta e expande com as barreiras do gênero, pensando no que ele tem a oferecer no futuro e não mais somente em tudo de bom que ele já teve no passado.

O músico experimenta tanto que traz novas versões de clássicos roqueiros como Smell Like Teen Spirit, de Nirvana, e Letter to Hermione, de David Bowie, nesse seu híbrido entre Jazz e elementos da música negra. Afro Blue, de Mango Santamaria, também ganha uma nova edição com os instrumentos do trio e a bela interpretação de Erykah Baduh – um dos pontos mais altos do disco e uma das mais belas versões que eu ouvi nos últimos tempos. Além de Badu, Glasper conta com um ótimo time de convidados em suas faixas. Lalah Hatthaway na R&B Cherish The Day, Lupe Fiasco e Bilal em Always Shine (com suas influências do Hip Hop), Me’Shell N’Degeocello na bela balada The Consequences of Jealousy (com sua mistura R&B à la How To Dress Well) e Yassin Bey (também conhecido como Mos Def) na faixa-título (com altas doses do Rap), entre outros.

Black Radio, mais que um ótimo disco, é uma expressão de liberdade. É um grito através das ondas de alta frequência do que não só a música negra e o Jazz podem ser quando juntos, mas também do que a música Pop se tornar. Mais que isso, transcende as barreiras do gênero sem deixar seus agregados com cara sisuda. Sem dúvida alguma, esse é um disco que seve para aumentar a média que se busca hoje nas músicas que tocam em rádios.

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Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts