10 discos para explorar as transformações do conceito de “lounge music”

Uma lista que demonstra como essa noção tão elástica de “conforto e relaxamento” perpassa diferentes gêneros, artistas e décadas

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Fotos: Reprodução

Entre tantos gêneros e subgêneros musicais, fica cada vez mais difícil definir precisamente o que torna uma música pertencente ou não a determinadas categorias. No caso da lounge music, encontramos mais do que um agrupamento ou um rótulo, mas um conceito que não se limita apenas a aspectos estéticos e sonoros.

O termo lounge surge na década de 1950 associado a uma certa “facilidade” de audição que se relaciona à maneira como os arranjos se constroem – faixas instrumentais, standards de jazz, entre outras criações que muitas vezes se encaixavam como trilhas sonoras de espaços de conforto e relaxamento. Ou seja, uma categoria de música que deveria chamar pouca atenção, mas proporcionar um sentimento de tranquilidade. Uma missão talvez contraditória, mas que, justamente por isso, fisga o ouvinte a partir de uma relação menos ativa (algo que, é possível dizer, “evoluiu” com a ambient music nos anos seguintes).

Com o tempo, a noção de um espaço de relaxamento foi se transformando. Relaxar nos anos 1950/1960 era diferente de um descanso nos pós-2000, quando nossa atenção é constantemente disputada pelo avanço da tecnologia pessoal e o excesso de telas. Nessa perspectiva, é interessante perceber como diferentes artistas se apropriaram do termo lounge para definirem suas respectivas estéticas. Como dito, o lounge é menos uma categoria de gênero musical e mais um direcionamento, uma ideia.

Selecionamos 10 discos em que é possível perceber as diferentes transformações do conceito de lounge music durante diferentes décadas – da bossa nova às narrativas nostálgicas do pós-2010, passando pelo smooth jazz oitentista e a música eletrônica da década de 1990.

 

Stan Getz/João Gilberto – Getz/Gilberto (1963)

Disco essencial da fusão entre jazz e bossa nova, a lendária parceria entre o João Gilberto e Stan Getz figura entre uma das principais referências em termos de luxo fonográfico. Além de canções icônicas da MPB, como “Desafinado” e “The Girl From Ipanema”, o disco transborda aconchego por conta de uma mixagem minuciosa, em que o mínimo trastejar dos dedos de Gilberto no violão são valorizados como instrumento de narrativa. Trata-se de um dos discos que incorporou à bossa nova o status de um produto refinado – mais relacionado a esta primeira noção de lounge music dos anos 1950/60.

Deodato – Prelude (1973)

O pianista Eumir Deodato é dono de uma discografia de dar inveja a qualquer músico. Referência do jazz/instrumental brasileiro, Deodato é responsável por uma ambientação musical requintada, elegante e que coloca a complexidade a serviço da facilidade. Em seu oitavo disco de estúdio, Prelude, há uma variedade significativa de diferentes moods – desde um jazz manso e envolvente, até experimentos com o funk americano. É um trabalho que mostra as primeiras evidências de que a lounge music não necessariamente se restringia ao domínio do jazz padrão. Muito pelo contrário: era um conceito musical aberto a diferentes expressões do imersivo e relaxante – e que ainda colocou o balanço e swing como elementos marcantes desta experiência lounge.

João Donato – Lugar Comum (1975)

Quando analisamos João Donato a partir da perspectiva de um dos representantes da música lounge, não é tão simples entender o que o coloca dentro desta categoria. Entretanto, o disco Lugar Comum pode lançar alguns ensaios de resposta. Apesar de inserido dentro de uma tradição da bossa nova/samba, João Donato se permite explorar diferentes elementos que construam essa sensação de plenitude e bem-estar, tão preciosa para a música lounge. O disco se concentra na elegância dos arranjos, bem como uma timbragem de instrumentos mais pautada na definição dos sons – e menos na expansividade do samba em ambientes abertos.

Sade – Diamond Life (1984)

Sade talvez seja uma das maiores representações do que da ideia de lounge music nos anos 1980. Estudante de moda, a vocalista e compositora Sade Adu sempre dominou o poder da estética em sua obra –  e este poder vai muito além de suas elegantes roupas. Em um misto de jazz e pop nova-iorquino, o título de seu primeiro trabalho deixa clara a vida que se desejava viver: uma vida de diamantes. O trabalho conta com singles que alavancaram a carreira de Sade, em especial “Your Love Is King”, “Hang On to Your Love” e “Smooth Operator” – um dos marcos da música lounge, considerando o seu aspecto altamente radiofônico e descolado do exclusivismo dos lounges de elite.

Sweetback – Sweetback (1996)

Sade deu uma pausa em sua carreira na década de 1990, mas sua banda de apoio não sentiu a mesma necessidade. O trio de músicos fundou Sweetback, que, apesar de breve, teve a oportunidade de colocar no mundo alguns dos discos que aproximaram a música lounge da influência eletrônica que permeava o zeitgeist da época. Focado em elementos de trip hop, downtempo e até mesmo um pouco de  nu jazz, o primeiro disco do projeto é uma nova percepção do lounge – afastada dos salões de festas decadentes da elite e em direção às cenas contraculturais e alternativas que emergiram em Londres. Um trabalho que se aproveita do avanço tecnológico para entregar faixas cada vez mais limpas e construídas, mas também providenciar sensações de bem-estar e calma para os ouvintes.

Everything But The Girl – Walking Wounded (1996)

Em termos estéticos, o duo Everything But The Girl foi responsável por trazer todo o sentimento abstrato e intuitivo do que era a lounge music para algo mais concreto. Seu disco Walking Wounded (1996) concretizou o lounge como subgênero da música eletrônica, ainda que também soubesse administrar uma característica bem pop. Batidas de drum ‘n’ bass, jungle e UK garage se unem a melodias profundas e frágeis, com marcante introspecção. Diferentes dos anos 1950, a sensação de relaxamento acaba sendo trazida para uma dimensão mais pessoal – mesmo que EBTG tenha emplacado tantos singles em paradas pop. Cabe mencionar que na edição deluxe há um cover de “Corcovado”, de João Gilberto, outra evidência de como a estética lounge parecia ganhar cada vez mais forma.

Bowery Electric – Lushlife (2000)

Bowery Electric começou como um projeto pautado no shoegaze, mas aos poucos entendeu as possibilidades que a música eletrônica poderia proporcionar. O disco Lushlife traz essa passagem da música eletrônica de uma cena alternativa específica para uma linguagem nova e pertinente a diferentes ambientes. Com arranjos de cordas e beats eletrônicos entrecortados, o trabalho traz uma noção de lounge music mais influenciada pela música eletrônica. As letras, enquanto isso, discutem questões como a solidão e a hipervelocidade de informações que o novo milênio anunciava.

Way Out West – Don’t Look Now (2004)

Pertencentes à cena eletrônica de Bristol, Way Out West conquistou fama por estar na trilha sonora de algumas séries populares na década de 2000, como Grey’s Anatomy. Seu disco Don’t Look Now se situa entre a música eletrônica e o pop da época, trazendo singles radiofônicos, mas também composições longas que se assemelham a experimentos ao vivo de mixtapes dos anos 1990/2000. É curioso como o senso de escapismo da televisão trouxe outra configuração para a lounge music, dando mais brilho e imersão à paleta sonora.

Erika de Casier – Essentials (2019)

O maximalismo eletrônico da década de 2010 também surtiu efeito na forma como a música lounge foi percebida. Em meio a graves intensos de trap e drops de dubstep, Erika de Casier encontrou refúgio trazendo o R&B dos anos 1990 de volta. E não era o R&B como categoria genérica, mas uma especificidade que flerta diretamente com a estética lounge. A suave voz de Erika, somada a uma paleta sonora característica do pop noventista e a batidas menos intensas, trouxe certo apego nostálgico. Essentials se destaca por outra mixagem limpa e que deixa apenas o que parece necessário para garantir o suingue etéreo.

Nosaj Thing – Continua (2022)

A música lounge continua a influenciar diferentes produtores, principalmente auxiliada pela tecnologia e facilitação de pesquisas sonoras. O produtor Jason W. Chung (aka Nosaj Thing) parece incluir esta referência em suas composições – sempre marcadas por um toque de escapismo muito bem executado. O disco Continua se mescla bastante a influências da música ambient e suas texturas hipnóticas. Há algo nostálgico em seu som, mas, com uma tecnologia mais desenvolvida, ele traz novos contornos e definições para o relaxamento típico da lounge music.

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Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique