Barra por Barra: um papo com MC Papo

O autor de “Piriguete” compartilha o que aconteceu em sua vida após o hit; alguns destaques das últimas semanas no rap e funk brasileiro

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Barra por Barra é o espaço no qual o João aparece por aqui às sextas-feiras para falar de hip hop e de tantas outras coisas que vêm junto com a (enganosamente simples e definitivamente sedutora) ideia de “falar de hip hop”. Ritmo, poesia e opinião – com o João.

 

 

Você pode não conhecê-lo por nome, mas, se tem entre 20 e 30 anos é certo: ele fez parte da sua infância ou adolescência. MC Papo é o autor do hit “Piriguete”, um dos primeiros reggaetons do Brasil lá em 2006. Em 2023, 17 anos depois do sucesso estrondoso da música que ganhou incontáveis remixes, MC Papo lançou o álbum De Volta para o Presente, seu primeiro trabalho de funk – de BH, obviamente.

Mais mineiro do que tudo, MC Papo tem também um pé em Bruxelas. Filho de mãe brasileira com pai belga de origem polaca, ele foi criado na capital mineira e, anos mais tarde, morou um tempo por lá. A vivência o rendeu apelidos como o de “francês”, e enquanto a vizinha de BH aplicava os sons de funk vindo das coletâneas Rap Brasil (1995) e Funk-se Quem Quiser (1995), o rolé em Bruxelas o colocou diretamente em contato com o rap francófono. “O que me fez gostar de música mesmo foi o funk da época”.

É por meio de uma participação de Lord Kossity, MC influenciado por ragga e dancehall, em um som do lendário grupo francês NTM, que as portas do reggaeton começam a se abrir para MC Papo, ainda que a percepção de que o gênero possibilitava a união entre “débito de palavras do rap” com o ritmo “gostosinho e embrazante” do funk tenha levado alguns anos.

Mas MC Papo não é homem de um hit só. Em paralelo a “Piriguete”, músicas como “Eu Pixava Sim” e “Radinho de Pilha” se tornaram verdadeiros clássicos – a última, um hino dos paredões de som e do rolé do som automotivo entre 2008 e 2009. “Você não vai me conquistar com seu radinho de pilha/ Eu quero um som que abala, um carro de corrida”, cantam o trio de minas da Blast Girl. No clipe, cenas de competição de arrancadas, tuning e mulheres dançando sobre soundsystems ilustram o que poderia ter sido um verdadeiro e autêntico Velozes e Furiosos brasileiro.

Estudioso e apaixonado pela música periférica brasileira, o MC parece uma enciclopédia, que se mantém atualizadíssima. A comprovação é seu disco De Volta para o Presente, precisamente alinhado às tendências do funk de BH – e feito todo a partir de colaborações exclusivas com produtores que já remixavam as acapellas do MC.

MC Papo é também uma das figuras mais solícitas com quem já conversei, compartilhando sua história de maneira muito humilde e generosa.

 

“Piriguete” é de 2006, 17 anos atrás. O que rolou na vida do MC Papo nesse meio tempo?

Rolou muita coisa. Eu voltei pro Brasil em 2004, e nesse período que eu tava lá [em Bruxelas] era rap, rap, rap, rap. Eu me adaptei. Só que voltei pra cá, eu mergulhei no funk de novo. A galera ficava buzinando pra gravar uns rap e eu não queria saber de rap. Acabei vendo umas músicas de reggaeton na internet e aquilo ali explodiu meu cérebro, porque dava pra dançar igual funk, gostosinho, embrazante, e o jeito de cantar era o mesmo jeito do rap, que era falando. A moda no reggaeton nesse momento era bachatero, os DJs estavam colocando guitarra de bachata no reggaeton para torná-lo mais comercial, mais atrativo pra galera latina que não era a galera jovem adolescente do gueto ali no Caribe. Minha primeira tentativa foi “Piriguete”.

Eu fui nos baile tudo de CD debaixo dos braço, o DJ escutava no fone, falava que tava brabo, mas não dava pra tocar porque não era 130 BPM.

A linha que separa o funk do rap tá cada vez mais borrada.

Antes tinha essa coisa, né? Cada um no seu quadrado, o público não entendia muito bem. A nova geração tá recebendo um tanto de informação de tudo quanto é lado, então pra eles não faz tanta diferença assim. Funk, rap, tanto faz, vamos misturar todo mundo. Nós que é do funk nunca teve problema com isso, porque a gente começou a ouvir funks que eram chamados de rap. 2009, 10, 11, acho que foi uma época crucial pro que tá rolando hoje no rap, porque a gente começou a fazer um tipo de rap que não tinha, que era um rap mais voltado para festa, umas paradas assim. Teve eu, tiOteD, aí começou a ter aquela galera da Stronda ali também…

E depois desse período?

Desde a época que eu fiz a “Piriguete”, eu sigo tudo lá do mundo do reggaeton e, para mim, essa proximidade com o rap também sempre foi muito normal, porque todos os caras do reggaeton também lançavam músicas rap nos álbuns e para eles nunca teve essa diferença. Para eles, um cara que canta reggaeton é um rappero, entendeu? E aí chegou um momento que todos os caras do reggaeton estavam fazendo trap, porque eu acho que meio que saturou na cabeça de todo mundo. E aí eu falei “porra, vou fazer um bagulho desses aí também”.

Foi quando surgiu “BH é o Texas?”

BH é igual ao Texas, não é nenhum dos dois do eixos, né? Ou você é da Califórnia, ou de Nova York. E aí teve um período assim que o Sul tomou a porra toda lá: Jermaine Dupri, Slim Thug, Paul Wall, Bun B, Pimp C…. Os caras do sul e principalmente do Texas dominaram tudo. Tipo, vocês tiram o nosso jeito de caipira, mas em algum momento é a gente que vai ditar a moda nessa parada. Eu tava 10 anos antes do mainstream no Brasil abraçar o reggaeton. Aí eu falei: “não, eu tenho que voltar a fazer reggaeton, aproveitar que a Anitta aí tá batendo nessa tecla”. Não foi muito pra frente também. Isso me deu uma desanimada muito grande a ponto de eu pendurar a chuteira. Mas continuei com trabalhos paralelos e foram eles que me fizeram perceber que eu podia, sim, fazer coisas novas.

Que tipo de coisas?

Eu achava que com a relevância que eu tinha, eu não podia fazer certas coisas. Sou de uma época que se você cantasse putaria igual aos meninos canta hoje, os bandido da quebrada te dava tiro (risos). Mas eu consumo esse tipo de som. Se eu fizer também, tipo, quem liga? Foi quando eu falei: ”Vou voltar a cantar, mas vou voltar à base. Vou voltar como se eu fosse um MC iniciante que está tentando explodir no funk de hoje em dia do jeito que o bagulho é agora”. Por isso que é De Volta pro Presente.

Uma parada que eu curti muito no seu álbum foi a presença do Mesquita fazendo os interlúdios.

Ele é a alma de BH. Foi um jeito de cunhar BH neste projeto. Depois desse tempo todo, de tudo que passou, quem é que mais me apoia até hoje? É a galera do funk de BH, da favela de BH.

O que não pode faltar em termos de atmosfera para ser um funk de BH? Qual a estética do funk de BH?

A gente não tem só um funk de BH, tem várias vertentes, que nem São Paulo: Mandelão, Bruxaria… O que o Delano criou foi um novo compasso, que seria mais como se fosse o agogô de terreiro. Aquela coisa mais metálica e bate exatamente igual toca o agogô no terreiro. Parte da estética veio principalmente dessas paradas que ele criou aí, independente se é MTG, se é putaria melódica, se é um bagulho mais consciente, sempre tem esse compasso que ele trouxe como novidade.

E aí tem esses vários estilos aí que surgiram. Tem esses dark mais tipo o WS da Igrejinha… É aquela parada, é putaria, mas é tenebroso. O funk aqui sempre foi um negócio muito de bandido, de malaco e tal, entendeu? Cê tá ali dançando e tal, mas a Glock tá na cintura e um olho no peixe, e o outro no gato [risos].

Antes a onda do funk era estourar um hit, fazer parte de uma coletânea ou equipe de som, participar do DVD da Furacão… Hoje tem um monte de funkeiro que lança álbum nas plataformas de streaming. Como você percebe essas mudanças da indústria, no modo de consumir música?

A gente não tem essa cultura de álbum, a gente não cresceu ouvindo um álbum do Catra, por exemplo. Era sempre com coletânea, depois rádio pirata, depois YouTube. Hoje em dia também o que está estourando música é Tik Tok. Quem está consumindo álbum é a galera que tá na linha borrada que você comentou entre o rap e o funk. Então, acaba que MC Rick lança um álbum e os escuta. O MC Poze não lança um EP da cabeça dele, mas porque ele tá com a galera da Mainstreet que fala para ele lançar um EP. Eu tive que aprender tudo de novo. E nisso aí eu acho que eu perdi de uns quatro a seis anos só tentando entender. Agora eu já estou esperto.

E você curte os filmes do De Volta para o Futuro? Qual é seu favorito?

O primeiraço, que é o que come a mente, né? Eu sempre brisei nessas paradas de viagem no tempo e tudo mais. E eu tinha essa parada de querer ser pioneiro. Só que eu não sabia que o delay pra galera curtir um bagulho novo era tão grande. E não é negativo, não é porque o brasileiro é lento ou porque não tem informação, é porque a gente já tem uma cultura tão forte, local, tão forte, que pra uma coisa nova chegar e se instalar demora, leva tempo. A prova de que nossas culturas locais são fortes pra caralho: olha o tanto de funk que tem agora! Funk do Rio, Funk de BH, o funk de Cuiabá, o brega funk, os 300 funk diferente em São Paulo, o eletro funk em Goiás…

O trem é infinito. Não tem como parar o funk.

Destaques das últimas semanas no funk e rap brasileiros

DJ K – Pânico no Submundo

Como bem pontuou MC Papo, lançar álbuns nem sempre foi um hábito no funk. Singles continuam sendo o combustível do gênero, principalmente através das mãos de produtores cada vez mais jovens e sem amarras nas quebradas de todo o Brasil. No entanto, álbuns organizados por essa mesma juventude têm como sua maior virtude o registro da evolução incessante do funk e seus subgêneros. Em Pânico no Submundo (2023), samples de Lil Uzi e Halloween e recortes d’Os Hawaianos ganham o “tuin” como denominador comum para formarem a atmosfera periclitante do som de São Paulo. DJ K, ao dar nome e formatação de disco para o funk bruxaria, faz de Pânico no Submundo um documento histórico, sem perder a liberdade de uma das principais músicas eletrônicas experimentais do mundo hoje.

Ryu, The Runner inventou a vogal “A”

Ryu, The Runner é o cara do momento no trap brasileiro. Na versão deluxe de Essa é a Vida de um Corredor, ele parece mais solto ainda do que no disco de estreia. Músicas como “Novela” e “Sua Inveja Eu Não Vejo”, que não passam de dois minutos, são como flechas precisamente disparadas, objetivas e competitivas enquanto rap. “Sua mulher é uma batalhadora, ter que divulgar seu som que é horrível”, ele rima em “12 da Maçã”. Em “Vandame”, Ryu  declara voto em Lula após dizer que se sente em Cuba por que a mina quer dividir ele com a amiga. Quem disse que o rap nacional não se posiciona mais politicamente, precisa rever seus conceitos.

O verso do Sant em “Chove Chuva”, do BIG BLLAKK

O Sant é diferente, não tem jeito. Na participação no novo trabalho de BIG BLLAKK, o MC da Zone Norte do Rio dropa referências à água como se tivesse sido criado com Katara e Sokka na Tribo da Água.

Pumapjl – Autodomínio

Calma, ainda não é um lançamento do Febre 90s. “Ué, mas o Sono TWS não produziu todas as faixas”? Sim, pois é! Se assim como nós você quer entender se há diferenças, ouve Autodomínio e depois dá uma passadinha no papo que trocamos com a dupla em 2021.

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