Ben Godlberg e os 30 anos da Ba Da Bing!

O fundador da gravadora, mais do que comemorar três décadas de existência, celebra a importância das relações genuínas no dia a dia de um selo independente

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Fotos: Acervo Pessoal / Julia Helen Murray

Entre os muitos “ser ou não ser?” do indie americano nos anos 1990, os selos independentes definiram estéticas e sonoridades com uma integridade artística inerente aos principais movimentos da música underground da época. “Você apostava na ideia de que as pessoas iriam gostar do que você fazia e iriam continuar gostando”, recorda Ben Goldberg, o fundador da Ba Da Bing! Records. Com diferentes trajetórias, cada selo foi desenvolvendo sua identidade, do CD ao bandcamp. Entre essas histórias, a da Ba Da Bing! Records envolve toda a especificidade do contexto noventista, das college radios e caixas postais – e também se encontra na atualidade numa habitual incerteza. Pode parecer incongruente, mas a chave da continuidade do selo nesses 30 anos está nessa relação comercialmente ambígua. “Tocar uma gravadora independente por conta própria realmente envolve benefícios e exige muitos sacrifícios. Então, o risco envolvido é (e sempre digo isso): eu não sei onde a gravadora estará daqui a seis meses. Não sei como estarei me saindo”, pondera Ben.

Às vezes, o rio corre pro mar, e alguns lançamentos populares da Ba Da Bing! tiveram no acaso o início ou o ponto de virada. Pelo menos esse foi o caso com Sharon Van Etten, ao lançar seu segundo álbum, Epic (2010), e com o Beirut na estreia Gulag Orkestar (2006). “De forma engraçada, muitas descobertas chegaram até mim, não eram bandas que vi ou que fui ver, mas pessoas que trabalhavam na gravadora e acabaram se tornando artistas que eu lancei. Sharon Van Etten foi estagiária por um tempo, e quando finalmente ouvi sua música, adorei”, recorda Goldberg. “Com o Beirut foi engraçado. Das 100 pessoas para as quais enviei o álbum de estreia, apenas uma escreveu sobre. E então, foi uma loucura. ‘Postcards From Italy’ começou a aparecer em blogs por todo lugar. E em duas semanas, estava em todos os lugares. Muitas dessas pessoas depois entraram em contato dizendo: ‘Ei, queria conferir esse álbum’. E eu tipo: ‘Enviei uma cópia para você três meses atrás. Talvez você queira procurar por ela’. Aí voltavam falando: ‘Ih, não consegui encontrar’. Obviamente, eles só jogaram fora”.

“Das 100 pessoas para as quais enviei o álbum de estreia do Beirut, apenas uma escreveu sobre. E então, foi uma loucura. ‘Postcards From Italy’ apareceu em blogs por todo lugar. E em duas semanas, estava em todos os lugares. Muitas dessas pessoas depois me contataram dizendo: ‘Ei, queria conferir esse álbum’. E eu tipo: ‘Enviei uma cópia para você há três meses’. Aí voltavam falando: ‘Ih, não consegui encontrar’. Obviamente, eles só jogaram fora”

Antes de um dos auges de seu próprio selo, no início de sua trajetória na música, Ben atuava nas rádios universitárias da Atlantic Records, numa rotina de vai e vem entre Jersey City (sua cidade natal) e Nova York. “Na verdade, a cena em Nova Jersey praticamente não existia, mesmo estando bem ao lado de Nova York. Então, eu trabalhava até as seis, pegava o ônibus de volta para Nova Jersey, jantava, pegava emprestado o carro dos meus pais e voltava para a cidade. Naquela época, nos primeiros dias, eu dormia muito pouco, mas não importava porque eu tinha 22, 23 anos. Mesmo quando estava em Jersey, era realmente sobre a cena de Nova York”, relembra.

Foi então em 1994 que o primeiro material do selo foi lançado, o single “Greenlight” de 7 polegadas da banda Salteen and The Receptionists, da qual Ben era guitarrista. A banda acabou não vingando, mas o nome escolhido para o selo desde o começo ficou marcado. Num primeiro momento, a intenção era atenuar a conurbação do rio Hudson na identidade do selo, aludindo às raízes cômicas jerseyanas ao invés do cosmopolitismo nova-iorquino. “É uma expressão muito americana. Mas a ideia é que há muitas pessoas em Jersey que são como nos Sopranos. Elas não são da máfia, mas têm muitos do tipo: ‘what r’you doing?!’. Daí tem essa expressão engraçada, que é tipo ‘Bada Bing, Bada Boom’. Tipo, você diz: ‘Eu estava indo para a loja. E estava procurando só uma coisa, mas tava rolando um saldão. Bada Bing, Bada Boom, comprei 10’”, ilustra Goldberg.

Enquanto Jagjaguwar e Sub Pop foram expandindo sua curadoria para sonoridades diferentes das iniciais, a Ba Da Bing! se destacou por abarcar sonoridades como garage rock, indie folk, chamber pop e outros estilos sintetizados das produções Lo-Fi que marcaram a música alternativa na dobradinha anos 1990/2000. Porém, antes de tudo, Ben foi e é movido por descobrir não o que ele gosta, mas o que outras pessoas também podem gostar, e partindo dessa dinâmica, a Ba Da Bing! hoje transita baseada nesse “instinto compartilhado”. “Sempre sinto que, se eu gostar disso, deve haver pelo menos 300 pessoas no mundo que também vão gostar. E meu trabalho é pegar essa música e tentar encontrá-las”, explica.

Durante a metade dos anos 2000, grande parte das atenções a bandas iniciantes foram voltadas àquelas identificadas como ‘pós-Funeral’, em referência ao clássico debut do Arcade Fire — estética essa chamada pela Pitchfork de “legado WHOA-OH”. Foi nesse contexto que Ben Goldberg descobriu o Beirut, que viria a cair nas graças da crítica e do público à procura de chamber pop. “Com o Beirut, quando ouvi pela primeira vez sabia que era realmente bom. E também, na minha cabeça, pensei que me lembrava um pouco do Neutral Milk Hotel, naquele tipo de beleza real da música. Nossa e também o Arcade Fire tinha acabado de acontecer, mas não tinham outras bandas que fizessem a mesma coisa. Ali senti que tinha surgido um outro Arcade Fire”.

“Meu objetivo vai continuar sendo encontrar bandas que estão começando, acho que tem algo mágico nelas. Mas, por exemplo, no início da banda, eu conversei com o Big Thief, mas vimos que eu não era o que eles estavam procurando”

De encontro às aspirações exploradoras de Ben, as movimentações da Ba Da Bing! são calculadamente não calculadas. Tanto no casting quanto nos lançamentos do selo, o critério é a resposta emocional do som. “Seja empolgação, tristeza, beleza, seja o que for que eu sinta, realmente preciso sentir que a música está evocando alguma resposta em mim, que me faça querer ouvir, me faça ficar grudado nela. Isso é a essência do que procuro com cada banda, apenas como eu reajo pessoalmente a ela”, acrescenta.

Junto a isso, a Ba Da Bing! entende seus limites logísticos e financeiros, o que algumas vezes pode significar perder nomes em ascensão, como (na época ainda promissor) Big Thief. “Eu me encontrei com Adrianne e a banda, tinha amado e queria lançar o ‘Masterpiece’. E eles disseram: ‘Queremos fazer uma turnê pela Europa e precisamos de certa quantia para isso’. Então disse a eles que eu não era o tipo de selo ideal para aquele momento, que pode dar muito dinheiro antecipado”. No fim, o Big Thief acabou assinando com a Saddle Creek – “é um ótimo selo, com muito mais dinheiro do que eu. E tudo bem, sabe”, elucida Goldberg. “Meu objetivo vai continuar sendo encontrar bandas que estão começando, acho que tem algo mágico nelas. Mas, por exemplo, no início da banda, ao conversar com o Big Thief, vimos que eu não era o que eles procuravam”.

Lançar um disco em 2024 não é a mesma coisa que lançar em 1994, mas muito da longevidade da Ba Da Bing! se dá pela forma como a grande maioria desses lançamentos foram estruturados, começando primeiramente com o entendimento do processo artístico de determinada banda, sem a cada vez mais inevitável rotatividade cotidiana. “Uma gravadora maior tem muita responsabilidade, porque têm muitos funcionários, precisam pagar salários. Então sempre há a pressão para encontrar algo. Para mim, não tenho tantos gastos. Então, posso passar alguns meses sem lançar um disco e está tudo bem. É assim que lido. Às vezes espero até encontrar algo novamente que eu ame”.

“Quanto às celebrações, eu nunca quis ser o selo conhecido como isso ou aquilo. Não vejo a Ba Da Bing! como a coisa mais importante na história de uma banda, pelo contrário. Para mim, os artistas são a história do selo. Então, sendo bem sincero, nem estou planejando nenhuma celebração”

Aniversário sem parabéns

Ao invés de olhar para os 30 anos, Ben prefere o dia a dia de parceria com bandas independentes no inicio da carreira, num modelo no qual a boa relação é tão importante quanto o potencial artístico. “Sabe, o que acontece é que tenho duas regras quando estou decidindo se vou trabalhar com uma banda: primeiro, preciso ter essa resposta emocional, certo? Mas, segundo, quero sentir que me dou bem com eles. Que teremos uma boa relação. Porque percebi, trabalhando em outras gravadoras, que você pode amar um disco, mas odiar as pessoas que o fizeram”, pontua. Mesmo estando à frente de um projeto no qual atua com paixão, Ben Goldberg é bem explícito sobre como os encantos e as inconveniências andam lado a lado na rotina de gerenciar uma gravadora pequena, mas com suas complexidades. “No dia a dia, quando você está trabalhando em um disco, você não entra todos os dias falando: ‘Ah, meu Deus, que bom estar trabalhando com a Sharon Van Etten’, que disco lindo, vou ter um dia tão ótimo! Não, porque às vezes seu dia é enviar e-mails, agendar shows, cuidar de reservas… Então é muito mais sobre relacionamentos interpessoais”, conclui.

De modo sucinto e autossuficiente, o reconhecimento da Ba Da Bing! para Ben é algo muito mais ligado à sua verdadeira conexão com o sentimento de descobrir aquilo que realmente o toca, tal qual nos primeiros anos. Mas, é claro, trabalhando com música por mais de 30 anos, há momentos em que a simples apreciação fica adormecida. “Eu passei por um período em que estava gerenciando várias bandas. Além da Sharon, gerenciava também o Tune Yards e The Breeders. Estava tão ocupado que não tinha tempo pra escutar nada, muito menos pensar em lançar. Foram cerca de seis meses sem escutar um disco”. Desde então, como no começo do selo, Ben Goldberg pensa a Ba Da Bing! Records como plataforma de conexão entre bandas emergentes procurando seu verdadeiro som, com uma parte da indústria significativamente sustentável.  “Gosto de lançar sons que são diferentes do que está acontecendo agora, como foi com o Natural Snow Buildings. Eles ficaram muito populares uma década depois de quando eu os lancei. Mas no final, o objetivo é esse. Eu sempre penso: não importa quando, se eu lançar, em algum momento as pessoas vão gostar. E quanto às celebrações, nunca quis ser o selo conhecido como isso ou aquilo. Não vejo a Ba Da Bing! como a coisa mais importante na história de uma banda, pelo contrário. Para mim, os artistas são a história do selo. Então, sendo bem sincero, nem estou planejando nenhuma celebração”.

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