Cadê: Fernanda Abreu – SLA Radical Dance Disco Club (1990)

Primeiro álbum solo da ex-Blitz inseriu a moça no mapa musical brasileiro

Loading

Podemos afirmar com total certeza que a música Pop brasileira em 1990 era bastante diferente do que existia aqui em, digamos, 1985, 1986. Na virada da nova década, quase tudo o que havia feito sucesso poucos anos antes já havia sumido das paradas de sucesso, bandas e artistas sólidos como Paralamas do Sucesso, Lulu Santos, Barão Vermelho, Titãs e Legião Urbana experimentavam transições em suas trajetórias. A de maior sucesso, RPM, havia encerrado suas atividades e o vocalista Paulo Ricardo tentava emplacar como cantor solo sem muito sucesso. A MTV chegaria em pouco tempo ao país, a própria música mundial estava mudando, não dava pra prever o que aconteceria. Nesta época o que dominava as paradas de sucesso era a… Lambada. Os primeiros sucessos de duplas sertanejas reempacotadas para a urbanidade via eleições de Fernando Collor, Chitãozinho e Xororó e Leandro e Leonardo, ensaiavam seus primeiros passos em direção ao estrelato. Em meio a este cenário caótico, Fernanda Abreu lançou seu primeiro e sensacional disco solo.

Convém lembrar: Fernanda Sampaio de Lacerda Abreu, carioca, gata, bailarina, ex-aluna de Sociologia na PUC-Rio, aos vinte anos adentrou a Blitz em 1981, formando a dupla de vocalistas de apoio mais desejada do Brasil, ao lado de Marcia Bulcão. A banda durou cinco anos, encerrando atividades em 1986. Fernanda demorou quatro anos para lançar um trabalho solo, talvez por ter noção que não conseguiria realizar algo autoral com duração e poder de fogo suficientes ainda em 1986. Ela se preparou, assistiu de camarote a todas essas mudanças no cenário musical mundial e sentiu-se preparada quando percebeu uma nova onda de bandas e artistas dançantes surgindo lá fora. Gente como Soul II Soul, Technotronic, Snap, entre outros artistas negros com informação musical dos anos 1970, devidamente reempacotada para os vindouros 1990’s. Como era fã de dança, de Disco Music, de bailes de subúrbio carioca, de toda uma cena cultural e musical erguida antes mesmo do boom do Rock nacional no qual pegara carona, ela percebeu que poderia, não só lançar algo autoral e bacana, como algo novo, inédito em termos de Brasil. A verdade é que, até Fernanda debutar com SLA Radical Dance Disco Club, só Lady Zu (no fim dos anos 1970) lançara dois álbuns próximos do gênero, dois quais poucos lembravam, apesar de sensacionais. Fernanda reuniu todas essas informações e começou a compor canções próprias ou em parceria com camaradas de talento, comoLeoni e Fausto Fawcett. Também convocou seu amigo Herbert Vianna e a ideia de lançar um disco se tornou concreta.

Vieram para o time o tecladista e produtor Fábio Fonseca (ex-Brylho, ex-Cinema Mudo, com disco recém-lançado na época e integrante da Conexão Japeri, banda de apoio de Ed Motta) e uma banda de bambas, principalmente o baixista Aurélio Dias, o baterista Bodão e o excelente guitarrista Fernando Vidal. Juntos eles forneceram o concreto necessário para Fernanda e Herbert erguerem as paredes do que seria SLA. Era preciso trazer o conceito de música dançante moderna, feita para a pista, para a noite e, ao mesmo tempo, estabelecer uma conexão com o passado rebolante do Black Rio setentista, algo parecido com o que Ed Motta fizera em seu primeiro disco, lançado no ano anterior. Enquanto o sobrinho de Tim investia na visão suburbana da música negra dançante tradicional, mais pra Earth Wind And Fire, Fernanda trazia admiração pelo novo clipe da Madonna, pela arte de usar o sampler, artifício de estúdio que polvilhava citações e chupações de outras músicas, dando nova forma e conceito a novas composições. O resultado foi irresistível e serviu pra apresentar uma alternativa musical naquele pequeno caos que se insinuava nas paradas de sucesso. Também era interessante não associar a imagem de Fernanda com a de uma “Disco diva”, algo que a moça, por mais que se esforçasse, não tinha voz suficiente para ser.

De qualquer forma, o álbum surgiu forte em 1990, puxado pelo single A Noite, que logo foi para a lista de mais tocadas. Enquanto este primeiro sucesso trazia uma levada Funk/Disco mais tradicional, a segunda canção a despontar nas paradas, Você Pra Mim, de autoria da própria Fernanda, trazia batidas atualíssimas, teclados pontuais executados por Fábio e Herbert e uma letra que fez este escriba, na época com vinte anos, desejar que alguma menina a dedicasse num momento de paixão intensa. Tesouros escondidos surgem por todo o disco: a ferveção sob o globo de espelhos da faixa título; o aceno ao nascente Funk carioca em Disco Club 2 – Melô do Radical e seu instrumental procurando emular o som dos bailes quinze anos depois de seu apogeu; a versão elegante do colosso Disco Got To Be Real (de Cheryl Lynn), rebatizada Luxo Pesado; o arranjo moderníssimo de Space Sound To Dance, com direito a pianos House e produção que lembrava o trio Stock, Aitken, Waterman; a “faustofawcettiana” Vênus Cat People, que antecipava a colaboração dos dois no disco seguinte de Fernanda; a citação de For The Love Of The Money (de The Spinners) em Speed Racer, canção de Herbert Vianna, talvez um de seus maiores acertos como compositor. Como encerramento, uma cover precisa de outro clássico da Disco Music, Kung-Fu Fighting, de Carl Douglas, cantada em inglês decente com arranjo respeitoso.

Fernanda Abreu conseguiu se livrar da imagem de “bonitinha com pouco talento” e colocou seu nome no mapa musical brasileiro. Esse disco inauguraria uma carreira capaz de traduzir a tendência urbana dançante do brasileiro daquela época com precisão, algo que ela tentaria levar adiante, conseguindo sucesso até meados da década de 1990, quando começou a ideia começou a mostrar sinais de desgaste. Os dois primeiros trabalhos dela, são belas demonstrações de modernização e conexão da música brasileira com o que era feito no mundo na época. Música dançante, bem informada e relevante. SLA pode ser encontrado à venda por valores que variam de R$40,00 a R$60,00.

Loading

MARCADORES: Cadê?

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.