Duos Australianos Estão Com Tudo

Luluc e Angus And Julia Stone são bons exemplos da moderníssima música australiana

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Antes de começar a ler este texto, faça um favor a si mesmo: procure ouvir Passerby, segundo álbum de Luluc. Sim, isso mesmo, Luluc. É um dos duos australianos que vamos mencionar por aqui, é. Vai ouvir, e depois volta aqui pra ler.

Onde estávamos mesmo? Sim, duos australianos. Na verdade, vamos falar de dois deles, Angus And Julia Stone e o já citado Luluc. O primeiro fez certo ruído por aqui – lá fora já são uma pequena coqueluche sonora – e o segundo foi revelado num episódio da simpática série televisiva Minha Loja de Discos, de Eliza Kriezis e Rodrigo Pinto, exibida no Canal Bis. Pra quem não sabe, uma palhinha sobre essa pequena maravilha: são episódios de meia hora sobre lojas de discos interessantes e importantes para as comunidades em que se encontram. Na primeira temporada, Rodrigo e Eliza percorreram estabelecimentos situados no Reino Unido, enquanto mostravam a associação deles com cidades como Londres, Oxford, Birmingham, Glasgow, Manchester, Cardiff, entre outras. A segunda temporada encerrou-se há poucos dias, mostrando a Easy Street, loja de discos predileta dos fãs de música de Seattle, terra do Grunge. Apesar de mencionar a assiduidade de gente como Eddie Vedder e o vocalista do Mudhoney, Mark Arm na loja, o programa também enfatizou um detalhe interessante sobre a Easy Street, os disputados e lendários shows dados no interior da loja, num pequeno e disputadíssimo palco. Em meio às imagens, surgiu o cartaz anunciando que um tal de Luluc estaria presente em julho deste ano. Em poucos instantes, percebemos que é uma dupla, formada por Zoë Randell e Steve Hassett, recém-contratada pelo esperto selo local Sub Pop. Não é para menos: Jonathan Poneman, co-fundador da gravadora que revelou Nirvana ao mundo, declarou não ter ouvido outro álbum por cinco meses. O disco em questão é, justamente, o segundo da dupla, Passerby.

Apesar de estar no mesmo elenco que bandas de sonoridade pesada, Luluc faz um Folk imaculado e atemporal, longe do estereótipo rural de araque ou do patético padrão recente de jovens músicos com cara de bancários ostentando rabecas, banjos e bumbos enquanto pensam que estão no século 19. Zoë e Steve são dois habitantes da cidade, no caso, Nova York. Sua contemplação da urbe é seu grande trunfo neste segundo trabalho. A estreia, Dear Hamlyn, é de 2008, lançada de forma independente e em homenagem ao então recém-falecido pai de Steve. A dupla aconteceu acidentalmente, apesar de ambos serem nativos da mesma Melbourne. Enquanto Steve encontrava-se em Edimburgo, Escócia, trabalhando no Festival de Teatro local, Zoë decidira mochilar pela Europa com seu violão, em busca de algo. O imponderável agiu e os dois se encontraram e decidiram compor juntos, num processo que demorou nove anos para chegar no primeiro álbum. Quando Dear Hamlyn foi lançado, não chamou a atenção do público mas cativou admiradores importantes no meio do caminho, como a cantora americana [Lucinda Williams], o produtor de Nick Drake, integrantes de The National) e Fleet Foxes, além do sueco-argentino José Gonzalez. Ao longo dos anos, a dupla foi se aproximando dos círculos dos festivais europeus e fazendo seus contatos. Boyd os colocou em seu disco-tributo a Drake em 2013 e Aaron Dessner, do The National, que abriu as portas de seu estúdio e se ofereceu para tocar e produzir o novo trabalho, Passerby.

A excelência da dupla pode ser medida em canções lindas como Small Window, em cuja letra é descrita uma paisagem de inverno vista de cima, da janela de um avião que se aproxima de casa. Ou Tangled Hearts, sobre outro olhar da janela, desta vez, a da sala em direção à rua e em como este simples gesto pode desencadear um processo de lembrança de momentos idos, relacionamentos findos e tudo mais sobre emoção e pequenos detalhes. A música de Zoë e Steve se arrisca a falar destes pequenos momentos que temos de forma quase involuntária, casual, ao longo do dia, mas que despertam e destravam certos mecanismos do que os anglófonos chamam de “daydreaming”, ou, em bom português, “sonhar acordado”. É a maior das banalidades elevada ao máximo de importância, algo para poucos e bons, admitamos.

Sobre Angus And Julia Stone temos o seguinte para dizer: não são exatamente um duo, mas uma banda que leva seus nomes, apesar de serem irmãos, oriundos de Newport, perto de Sidney. O fato é que tudo relativo ao grupo repousa na interação entre o casal, algo que os credencia para figurar entre os personagens principais deste texto. A dupla de irmãos iniciou as atividades em 2006, seguindo o passo de seus pais, John e Kim, que tiveram uma breve carreira como … duo de Folk antes de Angus e Julia nascerem. Este também foi o estilo escolhido por eles para seu primeiro trabalho, A Book Like This, gravado logo em 2007. Antes disso, os irmãos (mais Catherine, a mais velha dos três) faziam performances ocasionais em família, sempre tocando instrumentos como trombone, trompete e saxofone, nada de sério ou profissional. A coisa começou a acontecer quando os pais se separaram e os filhos foram morar com John. Angus começou a compor suas primeiras canções nesta época, logo após aprender violão e sofrer um acidente de snowboard, que decretou repouso. Assim que melhorou, viajou até a Bolívia, onde Julia estava, após um ano viajando pelo mundo. Esta quase volta ao redor do planeta serviu para ela decidir ingressar numa carreira de cantora profissional, encorajando o irmão, após ver que ele também se aventurava mais seriamente neste terreno.

Quando começaram a compor juntos, em 2005, o que era Folk mais plácido e confessional foi se transformando num híbrido do estilo com ganchos Pop inegáveis, começando a receber comparações com os mestres atemporais desta fusão, Simon & Garfunkel, mas de um jeito novo, com os críticos locais comparando Angus com Damien Rice e Julia com Björk. No ano seguinte vieram os primeiros singles e o EP Chocolate And Cigarrettes com as participações de Mitchell Connelly na bateria e Clay McDonald no baixo. Paper Airplane foi a canção que primeiro se destacou nas rádios locais. Logo em seguida começaram a tocar em festivais na Austrália, fechando um contrato com a EMI de lá para distribuição do EP e com a Independiente Records para lançamento do Reino Unido. A partir daí, tudo aconteceu realmente rápido.

Com o sucesso acontecendo na Inglaterra, a dupla se mudou para Londres e logo entrou em estúdio para começar a gravar. Fran Healy, integrante do quarteto londrino Travis, ouviu e tornou-se fã. A dupla foi convidada para gravar com ele e no estúdio de Chris Potter, integrante de The Verve. Dessas sessões veio o segundo EP, Heart Full Of Wine, que seria lançado em fevereiro de 2007. Em seguida veio mais um EP, The Beast e, em setembro, o primeiro álbum, A Book Like This, com gravações registradas na casa de Healy e na casa da mãe deles, quando regressaram à Austrália em férias. Em troca pela gentileza de Fran, a dupla participou do álbum The Boy With No Name, lançado por Travis poucos meses antes. A partir daí a dupla iniciou uma rotina de shows e participações em programas de rádio, sempre com muito sucesso. Em 2009 eles entrariam numa espécie de recesso para compor e experimentar sonoridades no estúdio. O resultado veio com o segundo registro, Down The Way, no qual já mostram uma aproximação do formato mais radiofônico de canção, sem jamais esquecer a doçura e o sentimento, expostos sempre na bela voz de Julia, que iniciaria uma carreira solo a partir de 2011, com o lançamento do simpático The Memory Machine. Em 2012 ela lançaria By The Horns.

Tanto burburinho em torno dos irmãos Stone trouxe grande expectativa para o terceiro álbum deles, homônimo, que foi lançado em agosto deste ano. Para assumir a produção, Rick Rubin, de tantas glórias e tradições, foi o escolhido. O resultado é elegante e polido como as releituras estéticas que Rubin empreendeu em álbuns de Johnny Cash e [Neil Diamond], mas não deixa de mostrar as tonalidades que o som da dupla possui. A abertura, com o sucesso A Heartbreak, é um bom exemplo disso. O clima do álbum é de tristeza e dessa contemplação urbana que parece ser o tom constante em muitas produções atuais. É um sentimento de relativa passividade diante das coisas, desde o metrô que atrasa e, quando chega, está cheio de gente, à sensação de vazio que surge em vários momentos. De quando em quando, a música, esta persistente forma de arte, nos ajuda a seguir em frente. Dentro deste novo verbete de 2014/15, o dos duos australianos, ouça Luluc e Angus And Julia Stone, mas não deixe de cavucar em busca de mais. Daí vem a mágica das coisas. Boa sorte.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.