O canto do cisne

Conversamos sobre a música, morte e ressurreição com Michael Gira, do Swans

Loading

Fotos: William Lacalmontie

Desde a sua origem no início da década de 1980, Swans, projeto liderado por Michael Gira, já morreu duas vezes. Em cada temporada, de Filth (1983) até Soundtracks for the Blind (1996) e depois de My Father Will Guide Me up a Rope to the Sky (2010) até The Glowing Man (2016), o projeto incorporou uma linguagem semelhante, mas um propósito distinto. Agora, em sua terceira reencarnação, Michael Gira reúne uma nova configuração de músicos convidados, para iniciar uma nova etapa guiada pelo álbum leaving meaning

O décimo quinto álbum da banda é grandioso como seus antecessores. Parece haver, no entanto, mais espaço para sutilezas. Dos acordes insistentes e meditativos, até às letras das músicas, Swans esforça-se por implodir o significado da linguagem em algo cósmico, mais universal e abstrato. No entanto, algo se mantém em comum entre toda a discografia da banda: uma noção de realização e preenchimento que acontece através do som.

No breve documentário feito pela Pitchfork para o lançamento de The Seer (2012), Gira conversa com o técnico durante a passagem de som: “muito mais alto, muito mais alto” ele diz, balançando a cabeça negativamente até que o feedback emita um que ruído incômodo e o músico se dê por satisfeito.

Swans significa “cisnes” em português. Tendo isso em mente, conversei com Gira recentemente sobre, entre outras coisas, a relação de Swans com a morte e a mitologia do cisne, sobre o processo criativo da banda, as diferenças entre gravar um disco e executá-lo ao vivo. Gira mantém um tom atento e gentil em todas as respostas, mas uma característica se mantém em sua fala: a intensidade que equivale à da obra com a qual nos presenteia.

Existe uma expressão, “o canto do cisne”, que é uma alusão metafórica à performance final dada por alguém antes da morte. A ideia se baseia num mito grego, que diz que o cisne passa toda a sua vida em silêncio, e emite um lindo canto momentos antes de morrer. Seu trabalho, me parece, mantém uma próxima relação com a morte: não apenas por ela ser um tema que permeia o clima de todos os seus trabalhos, trazendo consigo uma sensação de perigo iminente, mas também porque a banda já acabou duas vezes, apenas para renascer com uma nova configuração. Como você vê essa relação?

A morte permeia tudo. Está lá o tempo todo, bem na nossa frente. Eu acho que quando você está realmente vivo, você está intensamente consciente da iminência de sua morte. Esse não é um pensamento sombrio ou mórbido, é uma filosofia importante. De fato, pode ser o núcleo do pensamento religioso em si. Mas, no que diz respeito à transformação de Swans, é uma afirmação vital: é necessário que a música seja constantemente rejuvenescida para que ela tenha significado.

Em leaving meaning. há uma sonoridade mais cósmica em relação aos trabalhos antecessores da banda. Isso se dá por conta das pessoas escolhidas para participar do trabalho? Como é o processo criativo da banda? 

Eu escrevo as músicas em um violão, sozinho, em uma sala. Então eu começo a pensar ‒ sonhar, eu acho ‒ sobre uma atmosfera, ou sobre um mundo em que elas poderiam ganhar vida. E então isso evoca quem ajudará a alcançá-lo. Assim, começo a pensar nas pessoas que poderiam tocar nesta música. Eu imagino, geralmente, uma cor, ou uma atmosfera, ou às vezes uma orquestração específica ‒ mas nem sempre ‒ e então quando encontro pessoas, seguimos em direção a esse objetivo. Mas os melhores momentos acontecem quando sua musicalidade ou intuição ajudam a guiar a coisa em uma nova direção.

Acho que a música não precisa ser feita com muitos sons ou coisas diferentes. É só que quando a música fala, alguma coisa realmente poderosa acontece. – Michael Gira

As performances ao vivo são a preocupação central, ou ainda, ocupam um lugar majoritário no modus operandi da sua banda?

Sim. Tocar ao vivo, para mim, é completamente diferente do que gravar um disco. Um registro é como escrever um romance ou coisa que o valha. É preciso muito trabalho tedioso. Quero dizer, você performa, é claro, e tem que atuar com sentimento, com nuances e com controle. Hoje em dia temos o estúdio de gravação e todas as suas possibilidades que ajudam a esculpir o mundo que uma música pode ocupar: aí que começa o trabalho lento e tedioso. Esse processo é algo que eu gosto, mas que também tenho horror, porque pode ser muito entediante.

Qual é o propósito, então, de gravar um álbum? Como ele é diferente de fazer shows ao vivo para você?

Para mim, um álbum ‒ o que eu procuro quando ouço um álbum ‒ é um lugar para morar, um lugar para fugir. Na verdade, eu não quero dizer “fuga” porque soar meio leviano: talvez, um lugar para se cair. Quando a música fala comigo é quando ela funciona. Eu me vejo perdido no mundo do músico que fez a música. Uma apresentação ao vivo é um ato de descoberta para o artista e o público. E para mim, quando uma performance ao vivo funciona melhor, é quando a música é maior que os artistas ou a platéia, ganha vida própria e nos leva a um lugar que não imaginávamos possível.

Se você assistisse a Nina Simone ‒ eu nunca a vi ao vivo, por exemplo, mas olhando para um vídeo dela, eu posso imaginar como teria sido na platéia ‒, com apenas um piano e sua voz que para mim também são aparentemente transportadores. É essa força da música, no caso dela, que a atravessa com tanto poder que se abre e explode em um mundo totalmente diferente. E isso é uma coisa fantástica. Portanto, acho que a música não precisa ser feita com muitos sons ou coisas diferentes. É só que quando a música fala, alguma coisa realmente poderosa acontece.

Já que você falou sobre escrever um romance, eu gostaria de perguntar se você ainda escreve literatura, ou se planeja fazê-lo em breve?

Estou sempre pensando em fazer algo assim. Eu simplesmente não consigo me articular para isso. Eu gostaria muito de escrever outro livro antes de morrer, mas não sei quando isso acontecerá. Eu não faço duas coisas ao mesmo tempo muito bem e agora estou envolvido no processo da música. Então, quando eu decidir deixar isso de lado por um tempo, acho que inevitavelmente vou escrever novamente. No entanto, que forma isso tomará, não sei.

Para encerrar, então, há alguma coisa de interessante que você tenha lido recentemente? Há algo que possa recomendar?

Bem, estou lendo, não sei quanto interesse isso tem para a maioria das pessoas, mas tenho lido sobre a Europa Oriental e a tomada da Europa Oriental pelo comunismo após a Segunda Guerra Mundial. Há um livro de uma escritora chamado Anne Applebaum chamado Cortina de Ferro. Ela escreveu outro grande livro chamado Gulag, sobre os gulags na Rússia. E não sei por que tenho esse interesse no leste europeu e no comunismo e no totalitarismo. É apenas um tópico que estou seguindo.

Eu comecei a ler também alguns livros de Masha Gessen, uma grande figura intelectual que escreveu uma biografia de Vladimir Putin chamada The Man Without a Face, sobre a sua ascensão na KGB e como ela acabou assumindo a Rússia e transformando-a em, basicamente, um estado oligarca da KGB. É fascinante. Eu leio sobre guerras e situações em que as pessoas se encontram em extremos. Este tipo de severidade humana, na qual você encontra a verdade sob condições opressivas, isso me interessa. Existem alguns ótimos livros sobre a batalha de stalingrado na Segunda Guerra Mundial, que é um episódio incrível na história da humanidade, com tanta dificuldade, dor, sofrimento e coragem de todos os lados. Se você esquecer a ideologia da guerra e apenas pensar nos seres humanos que estavam envolvidos nisso, é algo surpreendente. Então eu gravito em direção a coisas assim. 

Eu também leio ficção, é claro. Acho que diria que meu escritor de ficção favorito de todos os tempos é Jorge Luis Borges. Para mim, ele é o máximo, quero dizer, não há ninguém melhor. Ele escreve todo o possível do pensamento humano em suas histórias. Para mim, eles são um pouco como uma Bíblia de imaginação, conjecturas e mistérios. É simplesmente lindo.

Loading

ARTISTA: Swans

Autor:

é músico e escreve sobre arte