Ombu em alta-fidelidade

Atento a arranjos e texturas, trio paulistano cria coloridas paisagens sonoras em “Certas Idades”, seu primeiro álbum cheio – produzido por Kassin e com influências que vão de Beach Boys a Mitski

Loading

Fotos: João Rocha e Luisa Cerino

Certas Idades é o primeiro álbum cheio da Ombu e, ao mesmo tempo – ainda que soe paradoxal –, o sinal de uma nova fase na carreira do trio paulistano. A atmosfera ruidosa e a ambientação mais crua dos EPs Mulher (2012) e Pedro (2015) dão lugar a uma paisagem colorida, cheia de texturas angelicais e que, sob arranjos encorpados de cordas e sopros, inaugura um cenário sonoro para o trio paulistano. “Tinha essa premissa de soar mais moderno, só que, no meio do processo, a gente começou a ouvir muita coisa antiga”, conta João (teclados, baixo e voz).

O leque de influências para a missão, como eles definem, de “prezar mais pelos arranjos”, vai desde o clássico Pet Sounds, do Beach Boys, a grandes discos recentes nacionais e internacionais, como Recomeçar, de Tim Bernardes, e Be The Cowboy, de Mitski. Antes de se tornar produto final e ser lançado pela Balaclava Records em agosto, Certas Idades foi um conjunto de demos produzidas remotamente durante a pandemia. Até que o trio decidiu buscar a chancela de algum produtor – e o nome perfeito surgiu: Kassin. Entre os grandes produtores de sua geração, o carioca tem experiência na arte de mesclar rock alternativo, mel pop e arranjos grandiososos, como demonstrou especialmente no clássico Ventura, do Los Hermanos. E o encontrou Ombu e Kassin deu liga. “Ele soube ler muito bem nossa dinâmica”, define Santiago (guitarra). Enquanto as letras percorrem angústias e prazeres da chegada da vida adulta – com poesia singela e toques oníricos –, as harmonias criam o pano de fundo lúdico, solar e, em certos momentos, até comovente.

Abaixo, você confere uma entrevista com João e Santiago, que falam do desejo de injetar tutano na produção, da parceria com Kassin e de outras influências que rondam Certas Idades. O disco de estreia da Ombu tem data marcada – e de gala – para exibição ao vivo, no dia 11 de dezembro, no Balaclava Fest, ao lado de Fleet Foxes, Alvvaways, Crumb, entre outros.

 

O que vocês queriam contar com esse álbum? Tem alguma história?

Santiago: Não sei se tinha um tema que a gente queria abordar, acho que o desafio maior era o de encarar a produção, encarar um processo que a gente trabalhasse muito na produção e arranjos, sabe? Isso quando a gente sentou, nós três, e decidimos fazer um disco, mas antes disso o Johnny já estava compondo e escrevendo em casa as coisas dele.

João: Acho que fiquei um tempo só fazendo beat eletrônico e depois de três anos deu vontade de tocar instrumento e voltar a fazer coisas, músicas que fazia na adolescência, gravando voz e violão. E começou com a premissa de juntar o eletrônico com acústico. Me inspirei muito em Tuyo, queria que soasse meio parecido com o Tuyo, porque era violão com beat. Só que passei a tender mais por instrumentos tocados ao vivo e comecei a idealizar as músicas mais com a banda que eu tinha, que é a Ombu.

Santiago: Acho que foi isso, a gente tinha o projeto da Ombu parado, estávamos em atividade com o Raça e, musicalmente, tava cada um testando coisas em casa. O Thiago produz muito em casa, tocando e compondo, fazendo arranjos, e acho que eu em casa estava muito voz e violão, com vontade de escrever e muito na brisa de ouvir banda argentina. E esses caras me deram vontade de escrever letras porque eles não usavam muito a palavra. Eu, por exemplo, era mais de compor paisagens e queria exercitar isso. Antes de se encontrar para falar do disco cada um estava nessa brisa, eu escrevendo, o Nego (Thiago) produzindo muito e o Johnny testando coisas.

João: Cada um estava em uma parada, porque antes a gente era tudo a mesma coisa e achava tudo a mesma coisa. Quando cheguei com músicas mais anos 1960 e 1970 para eles, não sabia o que eles iam achar. No Raça, acho que talvez a gente tinha um pouco de resistência com esses sons.

Santiago: Essa ideia de Big Band mesmo veio de um processo do Johnny, que curte muito Beach Boys. Acho que foram também coisas brasileiras que saíram nesses tempos que me deram vontade de explorar isso. Tipo o Recomeçar, do Tim Bernardes. Quando saiu, falei “nossa, que legal trabalhar ‘arranjos’”.

João: Acho que mesmo O Terno já deu uma sensação de que teria gente que escutaria esse tipo de música.

É legal que vocês falaram de Beach Boys, dessa parada de arranjos, de músicas bem construídas e produzidas. Fiquei pensando que, além disso, me remeteu a artistas e bandas produzidas pelo Phil Spector, e tudo que era produzido no Brill Building, a ideia de artistas focados em estúdios, com produtores. Pop com muito sentimento e intenção, tipo, as pessoas podem achar que é meio “cafona”, mas eu sinto que é a simplicidade de expor os sentimentos e que está muito presente no Certas Idades. Vocês tinham vontade de soar assim antes ou foi durante o processo?

João: Acho que foi no processo, como eu disse, tinha essa premissa de soar mais moderno, só que no meio, a gente começou a ouvir muita coisa antiga.

Santiago: É engraçado, parece que as referências chegam depois que a gente faz o disco. Esse da Ombu, na hora de mixar e masterizar, entrei muito na brisa do Milton, eu não tinha ouvido muito Clube da Esquina, Lô Borges… Quando a gente estava indo pro Rio de Janeiro, lembro que você [João] estava bem na brisa do disco do tênis do Lô. Se tivesse que citar referências, falando da minha experiência, diria esse do Lô, o Tranquility Base Hotel & Casino, do Arctic Monkeys, e Recomeçar, do Tim.

João: Um bem chave também é o Be The Cowboy da Mitski, esse me influenciou demais para começar a compor. Tem muita mistura de coisas ali, mas é rock, acho muito foda, é moderno, mas meio old school ao mesmo tempo. E querendo ou não nosso álbum foi todo feito no Ableton Live, um software do pessoal que faz música eletrônica, foi feito todo digitalmente, era só nós três e o resto a gente sequenciava. Não tinham músicos tocando.

Santiago: E é isso, cada um estava fazendo uma parada em casa e a gente se trombou e falou ‘vamos fazer esse disco’. A gente tinha um conceito superficial de fazer um álbum HD – “tem que soar bem, não pode ser Lo-Fi, vamos prezar pelos arranjos”. Em algum momento, até o Kassin tinha proposto de gravar com orquestra – e que bom que a gente não fez isso (risos).

João: A gente ia ficar no prejuízo.

Santi: É… Uma dívida maior do que a gente tem hoje (risos).

“Cada um estava fazendo uma parada em casa e a gente se trombou e falou ‘vamos fazer esse disco’. A gente tinha um conceito superficial de fazer um álbum HD – ‘tem que soar bem, não pode ser Lo-Fi, vamos prezar pelos arranjos’” – Santiago

Como o Kassin entrou nessa história?

João: A gente gravou um CD que hoje são as demos do álbum, mas a gente ficou um ano produzindo na pandemia, em 2020, e isso seria o produto final – o que cada um tinha gravado em casa. E aí a gente estava pensando em um produtor para dar uma opinião, um feedback, para lapidar o que já tinha sido feito, o que daria pra mexer na mixagem. Aí o Dotta [Balaclava Records] mencionou o Kassin, que é um produtor que a gente conhecia pouco. E quando ouvi o som dele, bateu demais. Algumas músicas soavam muito parecidas com o que a gente estava fazendo em termos de instrumentos e intenção. Aí o Dotta entrou em contato com ele, que curtiu nosso som e topou participar. Ele mexeu muito pouco no som, acho que ele deixou mais imperfeito… Agiu de forma a deixar mais torto, sabe? Porque o argumento dele era que estava muito computadorizado, sem alma e ele queria deixar a parada mais viva e com banda, com poucos takes de voz. E até nisso tem um paralelo com a época do Phil Spector ou da Motown, que eram poucos takes, e tem imperfeições de gravações. Foi a visão dele. Eu fiquei um pouco relutante e até hoje acho que eu teria afinado minha voz um pouco mais. Mas ficou mais orgânico e acho que pode ser interessante pro som que a gente tá fazendo.

Santiago: Ao mesmo tempo em que ele sugeriu deixar o álbum imperfeito, era muito sutil. Em outros momentos ele sugeriu subir tonalidade, ou separar algumas sílabas. Ele trouxe uma parada muito interessante em relação à comunicação entre os elementos. E existia esse paradoxo: se de um lado o cara batia o martelo falando ‘mano, você não pode falar essa palavra desse jeito porque a galera não vai entender’, por outro, ele falava ‘João, vai lá cantar’ – e aí gravava um ou dois takes e era isso. Mas é isso, foi uma experiência além do disco, de ter ele ali convivendo por sete dias, um cara muito da pesada e que te faz se sentir leve.

João: Parece que a gente fez um workshop, foi muito legal.

Santiago: Ele sabia como tirar as coisas da gente, ele soube ler muito bem nossa dinâmica. E foi muito paciente com a gente.

João: Ele gravou a parada muito bem, bizarramente bem, ele soube gravar no nosso estilo.

Santiago: E ele conhece aquela sala, o estúdio, como a palma da mão.

“O ‘Be The Cowboy’, da Mitski, me influenciou demais para compor. Tem muita mistura de coisas ali, mas é rock. É moderno, mas meio old school ao mesmo tempo” – João

Acho que isso fica claro no álbum, me pareceu mesmo que vocês estão nesse lugar físico, juntos. Consegui imaginar vocês meio “isolados” do resto do mundo gravando essas músicas…

Santiago: A gente tinha a opção de trazer o Kassin para São Paulo e gravar aqui. Minha filha tinha acabado de nascer, a gente tava no meio de uma pandemia. Era quase impossível a gente ir para o Rio de Janeiro e sumir por uma semana. Mas ouvindo as músicas e entendendo o projeto, por ter passado mais de nove meses compondo o disco, a gente tomou a decisão de entrar num processo imersivo, ensaiando duas semanas em São Paulo e depois partir para o Rio. Quando a gente começou a falar com ele, gravar em fita não era certo ainda, mas o Kassin falou ‘grava os ensaios e me manda’. Aí a gente fez um zoom com ele e decidimos fazer em fita mesmo. E a gente regulou nossos instrumentos, levamos tudo, e o Kassin falava pra gente relaxar com isso e chegando lá quase nem usamos nossas coisas mesmo (risos).

“O Kassin trouxe uma parada muito interessante em relação à comunicação entre os elementos. Foi uma experiência além do disco, de ter ele ali convivendo por sete dias. Um cara muito da pesada e que te faz se sentir leve” – Santiago

E essa capa? Ela é meio intrigante, viajada, parece que saiu de algum livro, alguma fábula.

Santiago: A gente queria sair um pouco fora da nossa bolha artística. O João já tinha falado pra gente não fazer algo minimalista e cores pastéis. A gente queria cores vivas, uma parada mais rica em detalhes e foi um processo. Fizemos uma pesquisa de artistas por muito tempo, procurando no Instagram, conversando. Teve uma artista que fez uma capa que tinha uma energia meio Passarim, do Tom Jobim, e aí não rolou. Tentando sair desse circuito eu pensei em procurar algum artista argentino – e sabia que quem tinha feito a capa do álbum do Rodrigo Amarante era um artista argentino. Seguia ele no Instagram pelo perfil da Ombu e mandei uma mensagem, na cara de pau, e ele me respondeu mandando duas opções de artistas. E foi bizarro porque ele sugeriu que a gente falasse com o Elias e disse ‘vocês vão fazer algo sonhado, ele tem essa pira e é o que vocês querem’. Só de um briefing que eu dei, sem ouvir as músicas. Conversamos pelo zoom com o Elias e foi super legal, aí ele pegou um azulejo do ateliê dele (e que antes tava na casa da avó dele) e, baseado no que a gente tinha falado, disse que vinha isso na mente dele. Esse azulejo virou a imagem do nosso single de “Reclama”. A gente queria colocar esses personagens em uma paisagem aberta. Teve a capa do single “Pare”, que é mais um esboço, e aí a arte final virou a capa do álbum mesmo.

E shows? O que vocês esperam dessas músicas ao vivo?

João: A gente tá muito animado para tocar ao vivo, acho que vai ser o momento em que vai fazer sentido tudo, e as músicas vão ganhar vida mesmo.

Santiago: Vai ter mais gente tocando, vamos fugir um pouco do formato trio. Estamos ansiosos para tocar e conhecer mais gente.

Loading

ARTISTA: Ombu