Playlist da Vida – Boogarins & As Plantas Que Curam

De Beto Guedes a Ty Segall: Benke Ferraz e Dinho Almeida relembram o início da banda e discutem as influências do disco de estreia

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Fotos: Diógenes Muniz

Começar uma banda no início da década passada era bem diferente. As plataformas de streaming engatinhavam e o Facebook era a principal rede social para divulgação de shows – cenário um tanto distante do atual contexto tão digitalizado e com demanda de exposição e engajamento quase diários. Foi neste momento que o Boogarins deu os primeiros passos: “Por mais que a banda seja nova, a gente é da era pré-Instagram. A nossa conta foi criada quando ganhamos um iPhone na turnê americana em 2014”, lembra o guitarrista Benke Ferraz.

Naquele ano, o grupo bateu a marca de 150 shows e viajava com o repertório do disco As Plantas Que Curam (2013), além de apresentar o que se tornaria Manual (2015). “O videoclipe de ‘Lucifernandis’ teve 25 mil views em um dia. Hoje em dia, você precisa de uma campanha de rede social, não é mais sobre os blogs e as resenhas, é necessário participar, engajar a galera a fazer pré-save, ter grupo no WhatsApp, todas essas coisas”, compara o músico.

Uma década após a estreia, o grupo soma quatro discos, dois ao vivo e mais duas compilações de outtakes. Ao longo deste ano, o Boogarins vem celebrando o aniversário do álbum com uma sequência de shows pelo país, que inclui uma parada na Casa Natura, em São Paulo, no dia 16 de maio. Em fevereiro, o grupo divulgou a versão deluxe de As Plantas Que Curam com faixas bônus e demos.

A época representa a concretização do desejo da adolescência. Com o passar do tempo, os integrantes ganharam mais intimidade entre si e com processos de gravação. Olhando para trás, enxergam como o distanciamento também carrega a satisfação da evolução, como Dinho Almeida, vocalista, explica: “Eu lia muitos blogs, via os caras falando das músicas e ficava fã de coisas que hoje em dia, eu escuto e penso: ‘por que eu gostava disso?’. O texto do cara era bom, já a música não era grande coisa. Demorava dias, até semanas, para conseguir ter internet para baixar discos. Então, quando o download terminava, você acabava escutando”.

Cronologia do disco

A princípio, Dinho e Benke cozinharam as seis primeiras músicas e as lançaram como um EP em 2012. A dupla estudava na mesma escola técnica, época em que matavam aula para tocar violão na praça. De certa forma, eles se complementam, como rememora o vocalista: “Ele sacava umas coisas Lo-Fi e bandas novas. Eu gostava de uns negócios 1960. Chegava no Benke e falava que a gente precisava fazer a guitarra com fuzz como em ‘Girl From New York’, do disco Would You Believe (1968), do Billy Nichols”.

Logo em seguida, Raphael Vaz somou no baixo, Hans Castro entrou na bateria – e, no ano seguinte, Ynaiã Benthroldo assumiu o posto. Como um quarteto, desenvolveram o restante do disco, lançado pelo selo americano Other Music. Para Benke, o mérito de As Plantas Que Curam foi o acerto, logo na primeira empreitada, como produtores musicais: “Mostramos que conseguimos tirar sonoridades ricas, mesmo sem entender o que a gente queria comunicar. Chegamos perto de tudo que a galera falou que soava, neo psicodelia, anos 1960”. Em outubro de 2013, eles saíram de Goiânia pela primeira vez para tocar em São Paulo (incluindo um DJ set antes do show do Tame Impala, no Cine Joia).

“Gravamos seis músicas na tosqueira e conseguimos uma parada diferente. ‘Lucifernandis’ tem o som de bateria gravado com microfone de notebook, uma parada ardida na orelha, mas que funciona por causa das referências, meio anos 1960, meio garage. Por exemplo, em ‘Doce’ a gente já conseguiu aprimorar. Fiz jingle para campanha política e comprei uma placa de som de oito canais e microfones”, descreve o músico.

O segundo disco mostrou uma progressão, seguindo a linha da estreia, mas com afinidade de banda e alargamento do repertório técnico. “A gente fez o que podia, assumimos os erros. A sonoridade tem essa paixão das coisas que crescemos admirando. O The Madcap Laughs (1974), do Syd Barrett, é uma referência. A gente curtia mais os extras: ouvir o take errado tem um charme meio mágico”, pontua Benke.

Revisitar esse material desperta nostalgia, mas, ao mesmo tempo, eles reconhecem certas nuances que não eram visíveis no momento em que as coisas aconteciam. Depois de lançar o disco, elogiado por público e crítica, já havia um distanciamento daquelas composições iniciais. “Teve show que não tocamos ‘Lucifernandis’ por livre e espontânea vontade. Com o tempo entendemos que o nosso desejo era menor do que a importância de quem foi ver o show”, afirma Dinho.

A banda reagiu à forma como foi assimilada: “De repente, todo mundo escuta e fala que é massa, que é a volta dos Mutantes, mas você estava de saco cheio porque quer gravar as músicas novas”. Nesses 10 anos, “Infinu” se manteve no setlist dos shows, mas, aos poucos, “Doce” voltou a aparecer. Eles nunca tinham feito uma turnê rememorando um disco, sempre viajaram apoiando o último trabalho. Olhar para trás foi uma oportunidade para dar outra chance às composições que ficaram esquecidas no meio do caminho. Nessa edição da Playlist da Vida, eles dividem as referências que atravessam o disco de estreia.

Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli, Toninho Horta – “Belo Horror” e “Serra do Mar” (1973)

Dinho: Junto do Clube da Esquina (1972), a gente ficava pirando nesse disco, era uma referência de gravação e som doideira. A gente toca música desse disco, como “Serra do Mar”, no show que fazemos do Clube, mesmo não sendo do Clube. Não damos conta de tocar “Belo Horror” porque ela é muito confusa, tem várias colagens, acho foda.

Benke: Beto Guedes tem umas piras com progressivos dos anos 1970. Pensava: “caramba, estão fazendo Yes no Brasil”. Às vezes, eram coisas que não conseguia apreciar, mas com os comentários do Dinho, comecei a entender as paradas.

Syd Barrett – The Madcap Laughs and Barrett (1974)

Dinho: Esse solo é muito referência, principalmente nas músicas que são demos, que o take mostra eles sofrendo para gravar os trens ali.

Benke: A minha referência de outtake vinha do Nirvana, a maior banda do mundo quando eu era pirralho. Era até normal você baixar o som de outras bandas nomeadas como Nirvana e achar que eram eles porque os caras tinham muita gravação doideira. Toda banda deve ter, mas o Nirvana já era da época das gravadoras, virou o maior popstar, e decidiram soltar tudo que tinha. Quando eu tinha uns 12 anos, saiu um box com três CDs e um DVD, e um deles era só de versões no violão. O Kurt vem desse lugar de indie que atravessa o mainstream. O bônus do Syd Barret é emocionante porque ele era um cara que viveu a época do estúdio, ele não conseguia gravar sozinho. Pensa no tanto de coisas que ele não deve ter produzido por não ter acesso ao estúdio. No outtake, você escuta ele pedindo desculpas ou falando “agora vou conseguir”. Fico pensando na pressão da situação, acho que isso soma muito sentimento às canções, até as deixa mais especiais.

Diego de Moraes e o Sindicato – “Amigo” (2010)

Dinho: Nosso amigo do Goiás. Estava na cena há muito tempo, apareceu como referência de música em português na cidade. Ele deu uma surfadona, abriu pra Mallu Magalhães, teve um reconhecimento. Ele conversava com o Júpiter Maçã, o rock gaúcho, coisas que a gente ouvia muito. Esse indie 2000, som hipnótico, letra viagem, Diego me remetia a essas paradas que eu gostava.

Bang Bang Babes – “Killing Your Vibe” (2014)

Dinho: Dividimos afinidades por sons que remetem à década de 1960, coisas mod, bandas gaúchas…

Hang the Superstar – First, Lost and Always (2005)

Benke: Não era tanto pro lado stoner, mas mais pro lugar que acabamos circulando, essa psicodelia dos anos 1960. Quando chegou nos anos 2000, virou essa parada Tame Impala. Ela tocou no Gordo Freak Show, no programa do Gastão, da MTV.

Black Mountain – “Angels” e “Wucan” (2008)

Benke: Eles tocaram no Goiânia Noise. Falaria de “Angels”, por causa da guitarra. A bateria de “6000 Dias” foi inspirada em “Wulcan”.

Ty Segall & White Fence – “Easy Rider” e “Scissor People” (2012)

Benke: A sonoridade nos distancia, mas a gente topou a banda várias vezes na estrada. Foi o primeiro show de banda hypada do rolê que vimos quando chegamos nos EUA. A gente convidou o Ty Segall para ver o nosso show. Ele tem bons discos, dá saudade da época que a gente escutava Ty Segall.

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ARTISTA: Boogarins

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