Ruas & MELI: no embalo de uma sexta-noite

Lançado pelo coletivo campineiro Undersoil, EP colaborativo une rap e música eletrônica e celebra o momento mais aguardado da semana

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Fotos: Gabriel Monteiro

O encontro entre Ruas e MELI para a criação de No Embalo de Uma Sexta-Noite, EP lançado hoje (13 de outubro), parece improvável e, ao mesmo tempo, natural. Improvável porque MELI, o produtor, vinha de uma caminhada de mais de cinco anos pela cena eletrônica de Campinas, enquanto Ruas seguia sua trajetória como MC, na toada dos lançamentos de Sonhos de Vitrine (2020) e Picaretas de Fachada (2022), trio do qual também fazem parte PLK e André Miquelotti. Improvável também porque há pouco mais de um ano os dois sequer se conheciam. Ainda assim, é natural, porque MELI, mesmo quando tocava sets centrados em house e gangsta house e desenvolvia os primeiros beats, escutava muito rap e sempre teve o desejo de produzir beats para que um MC rimasse; e Ruas já vinha se sentindo mais do que à vontade para rimar em cima de BPMs mais acelerados, especialmente após Picaretas explorar as zonas de contato entre rap e UK garage. Bastou um story de MELI com um beat produzido por ele para que Ruas entrasse em contato e a parceria se iniciasse. Mas, antes da troca de mensagens via Instagram, antes do ambiente virtual, precisamos falar do espaço físico – mais especificamente do subsolo.

Localizado no andar de baixo do Lab General Store, em Campinas, o estúdio Undersoil reúne MCs, cantores, produtores, DJs e videomakers, além de promover eventos e encontros de pessoas que trabalham com arte. E foi justamente a partir do espaço que MELI conheceu as rimas de Ruas. “Eu já conhecia ele pelos trampos do Undersoil e, conforme ele foi lançando, fiquei conhecendo mais. A gente foi conversando e as ideias foram batendo”, conta MELI. “O Undersoil me acolheu para fazer o EP. Já tinha colado no estúdio, nunca tinha saído um trampo junto, mas sempre fui muito bem recebido”.

A princípio, a ideia não era necessariamente fazer um EP, apenas se aventurar por esse cruzamento entre música eletrônica e versos rimados. Mas logo que a primeira faixa gravada, “Rei Julian”, ganhou corpo, os dois perceberam que era possível se aprofundar no conceito. “Foi um período depois de Picaretas, eu tava produzindo singles solo e querendo fazer um negócio sólido. O MELI mandou uma ref de afrohouse, gravamos ‘Rei Julian’ e o Ed [integrante do Undersoil e parte da dupla de DJs Kenan & Kel] sugeriu de a gente fazer o EP. E rolou um processo natural. Não levou tanto tempo, mas para correr da forma que foi, foi muito trabalhoso”, lembra Ruas.

MELI seguiu a linha de produção da música eletrônica, mas, conhecendo a estrutura dos versos em um rap, e, especialmente, o estilo de rimar de Ruas, foi aparando arestas e remanejando a evolução das faixas. “Eu criei na pegada eletrônica: introdução, breakzinho, primeiro drop, outro break, outro drop e fim da faixa. Mas, por acompanhar o Ruas, eu tinha uma noção de que uma média de 2:30 era o confortável para ele criar. A gente fazia os cortes enquanto gravava mesmo. Isso foi o mais foda , essa experiência em conjunto no estúdio”, explica MELI.

Ainda assim, há espaço para roupagens mais “clássicas” de um set de música eletrônica. “Só uma, a ‘Please Baby”, que a gente quis fazer maior, para a galera que faz sets de música eletrônica ter um tempo maior para mixar de uma faixa para a outra”.

“No rap, o vocal fica mais à frente, na eletrônica é diferente. Eu quis juntar os dois mundos, sem criar um choque. Me desprendi dos nichos – literalmente ouvia a faixa e ficava viajando. O processo criativo foi na produção dos beats, mas também na parte de mix e master”

– MELI

Para Ruas, a experiência lírica do EP foi no modo “maratona de estúdio”, escrevendo as rimas enquanto o processo de produção/mixagem acontecia e certos ajustes eram feitos. “Se eu for fazer um projeto, quero fazer exatamente aquilo. Se são seis faixas, vou fazer seis versos, não fazer 12 e escolher seis. Meu processo foi inteiro no estúdio, só um ou outro verso que eu fiz indo pro trampo”. O trampo, aquele de bater o ponto, faz parte da inspiração do EP – na verdade, a hora de se esquecer dele momentaneamente quando o relógio, enfim, dá 18h em uma sexta-feira. MELI é engenheiro químico e atua em pesquisas da indústria farmacêutica, e Ruas é designer em uma empresa de cosméticos. “Nós dois trabalhamos bastante para fazer um EP sobre bater o ponto [risos]”, resume Ruas. E falar de sair em uma sexta-feira é falar de flerte e de possíveis romances, temas que percorrem os versos de todo o repertório do EP. O curioso é que Ruas namora – e namora firme –, mas isso não impede que ele busque inspiração em situações vivenciadas na noite. “Namoro há quatro anos, mas sou muito observador. Se eu tô sem ideia, tenho que sair. Tem um monte de amigo solteiro que taca marcha, flerta e eu fico ouvindo as histórias, colocando no HDzinho. E fico imaginando cenários, agregando. Já saio pensando na vivência que eu vou acumular. Gosto de trazer o que outras pessoas vivenciam. Completei quatro anos de namoro na semana passada. Mas é só arte [risos]”.

Notas (musicais) do subsolo

"O Undersoil surgiu há 1 ano e meio e é um selo e um estúdio, mas, mais do que isso, é um coletivo. A gente começou o acompanhamento com o Ruas, o Original Dé e a Aysha Lima, três artistas exclusivos nossos. A missão é estruturar a carreira do artista, realizar toda a parte burocrática, escrever essa linha do tempo e apresentar de forma explícita para o mercado – olhar para dentro, extrair o melhor e colocar isso na rua. 

A gente abraçou esse EP com o MELI trazendo ele de fora para somar como time. Pela amizade, mas pela força de trabalho e a experiência que ele tem para contribuir. O EP é um projeto para consolidar a evolução do Ruas, a versatilidade dele, mostrar um amadurecimento de carreira e encaixar ele no que ele gosta de fazer".

- Vinícius Mariano, produtor executivo e A&R do Undersoil

“Toda sexta eu sou assim. Não vejo a hora de sair e bater o ponto. Colar no pião que o parceiro vai trampar e me arrumar um VIP. Trampar dá essas inspirações. No ódio, mas a inspiração vem”

– Ruas

Além da atenção à parte estrutural dos beats, MELI procurou realizar uma fusão entre as linguagens do rap e da música eletrônica na pós-produção – isto é, na hora de mixar e masterizar. O produtor considera que esse momento exigiu tanta dedicação artística e feeling quanto a criação das batidas em si. “No rap, o vocal fica mais à frente, na eletrônica é diferente. Eu quis juntar os dois mundos, sem criar um choque. Me desprendi dos nichos, literalmente ouvia a faixa e ficava viajando. O processo criativo foi na produção dos beats, mas também na parte de mix e master. Eu mandei para amigos da cena eletrônica e a músicas que eu menos esperava foram as que eles mais curtiram, de baixar para tocar e colocar no set”, sintetizou o produtor.

Influências de No Embalo de uma Sexta-Noite

Ruas:

“Morad, Raul Alejandro, Peso Pluma... E assisto muito desenho, de saber as falas dos filmes. Looney Tunes, Pica Pau, Apenas um Show”.

MELI:

“Kaytranada, reggaeton em geral, Martinez Brothers. E assisto muito desfile de moda, para ouvir as trilhas. O mais foda recente foi o da Louis Vuitton, que o Pharrell fez as músicas”.

Embora No Embalo de Uma Sexta-Noite se concentre no encontro entre MELI e Ruas, o projeto conecta outros nomes da cena de Campinas, da música ao audiovisual e de dentro e de fora do Undersoil. Ao longo do repertório, surgem colaborações de André Miquelotti, Kenan & Kel e Destravalt, enquanto os visuais disponíveis no YouTube foram produzidos por Gabriel Monteiro, com making-of de Gabriel Cavassam. “A gente trouxe um pouco de cada um. O Tresk [Miquelotti] fez um negócio bem eletrônico mesmo em ‘OQVOSAA’, e Kenan & Kel conseguiram colocar o beat bolha na ‘Hidro’”, explica Ruas.

Agora, com o EP na rua, MELI e Ruas têm expectativa para ver como as faixas vão ressoas pelas pistas – e, na sequência, estruturar os shows. “Vamos ver como vai bater na pista e pensar em um desenho para o show. A ideia é juntar eletrônica e rap de novo, de uma forma que flua e faça sentido para a pista”, diz Ruas. “A nossa ideia sempre foi de não ser um EP de estúdio, de Spotify. Tudo foi pensado em como seria na hora de mixar as faixas. Tem uma pegada de house, mas cada faixa tem uma sensação diferente e é para uma sexta-feira diferente”, completa MELI. E, enquanto os dois planejam os próximos passos, as sextas-feiras continuam a ser fonte de inspiração para novos versos e beats – agora com o EP já disponível nas plataformas digitais. Para Ruas, é aquele mesmo esquema de sempre: aguardar ansiosamente o relógio chegar às 18h e partir para o embalo da noite de sexta.  “Toda sexta eu sou assim. Não vejo a hora de sair e bater o ponto. Colar no pião que o parceiro vai trampar e me arrumar um VIP. Trampar dá essas inspirações. No ódio, mas a inspiração vem”.

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ARTISTA: MELI, Ruas MC