SINAPSE: cacofonia da natureza

Mabe Fratti, Ben Seretan, “Meeting of the Waters” e os sons ao redor

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

 

 

CIGARRAS

Mabe Fratti, Ben Seretan e Animal Collective

 

No álbum Será que Ahora Podremos Entendernos, a violoncelista da Guatemala Mabe Fratti usa sua voz, violoncelo, sintetizadores e gravações do meio ambiente para criar um ecossistema musical. A preocupação com os “sons ao redor”, para além da instrumentação tradicional, é fruto de uma pesquisa da artista, que se pergunta como a música pode suprir nossas falhas de comunicação.

De acordo com a artista, o álbum explora a omissão e a nossa falta de jeito na hora de conversar, o que torna o processo da comunicação muito complicado. Isso se amplia numa espécie de fricção entre o mundo interior e o mundo exterior, que é metaforizado através do som raspado e melancólico das cordas do violoncelo.

O músico Ben Seretan também parece sentir o contraste entre a imensidão interior e a exterior. Curiosamente, um timbre raspado também marca esse embate no disco Cicada Waves: som agudo das cigarras cantando na floresta. No álbum de música ambiente, uma porção de músicas serenas tocadas ao piano são embaladas por uma cacofonia da natureza, que coloca as composições num cenário úmido de verão.

O “cenário”, mais do que a música no sentido tradicional do termo, parece ser a preocupação principal do artista. Ele escreve: “Eu gosto de fazer shows normais, mas prefiro lugares mais incomuns ou mais íntimos – um banheiro de apartamento com colchões, ou uma pista de patinação em uma antiga fábrica”. E completa: “Se você quiser adicionar sons de baleias, triturações horríveis, nuvens espessas de tom, etc., a qualquer coisa em que estiver trabalhando, é só me dizer”.

O barulho da imensidão da natureza também marca o EP Meeting of the Waters, da banda americana Animal Collective. Em 2017, a banda fez uma excursão pela Amazônia brasileira, onde captou sons que depois viraram composições. Geologist, um dos integrantes, explica: “Tanto o Avey Tare quanto eu usamos gravações de campo em nossa música, talvez antes mesmo de sermos chamados de Animal Collective. Eu meio que queria chegar a um lugar onde a ideia de gravar sons naturais fosse algo que pudesse ter um destaque importante”.

Um documentário lançado mostra a viagem e o processo de criação da banda. A Animal Collective aparece gravando o barulho de uma anaconda se arrastando pela folhagem da mata, ou captando a comunicação dos botos embaixo da água do rio. Um momento particularmente interessante mostra os músicos tocando entre as raízes de uma samaúma, uma árvore que simboliza o centro do centro do mundo –s o ponto mais importante no debate ambiental de hoje, onde a falta de comunicação entre o mundo dos brancos e o mundo natural se faz mais evidente.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte