SINAPSE: esfera doméstica

Josephine Foster, os cachorros de Fiona Apple e demônios entre quatro paredes

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

 

ENTRE QUATRO PAREDES

Josephine Foster, Fiona Apple e os animais domésticos

 

Recentemente, a cantora estadunidense Josephine Foster lançou um novo álbum chamado Domestic Sphere. Produzidas por ela e pelo colaborador Daniel Blumberg, as canções navegam pelo universo usual da cantora que é folk, sempre com um pezinho dentro da psicodelia e do Lo-Fi.

Domestic Sphere, como o nome diz, convida o ouvinte a entrar na casa e no cotidiano de Foster. A capa do álbum mostra uma casa construída com pedras, provavelmente em algum lugar do interior da Espanha. A construção evoca diligência, simplicidade e, simultaneamente, robustez. E é justamente essa a ideia que Foster passa também nas músicas, com instrumentos um pouco desafinados e gravações ambientes, que, se por um lado, dão a entender uma austeridade diante da música, que não se importa muito com perfeccionismos, de outro trazem algo aconchegante e familiar.

A primeira faixa do álbum nos leva para dentro de sua casa. É possível ouvir o som de alguém caminhando por um chão de pedregulhos e, em seguida, abrindo uma porta que revela a melodia principal do álbum. Essa música é, todavia, subitamente interrompida por gatos rosnando, que, a partir da segunda faixa passam a fazer parte da composição. E assim sucessivamente, com o barulho da chuva ou das cigarras, estamos não só na casa de Josephine Foster como visitantes, mas fazemos parte de sua rotina, como se fossemos narradores oniscientes de sua intimidade.

A esfera doméstica de Josephine Foster pinta o cenário de uma herdade inquieta, povoada por sons – pássaros, gatos, cigarras, chuva, vento – que são encarados como música, sem distinção entre sagrado, profano, criativo ou cotidiano.

Outro álbum que traz animais de estimação como símbolo da intimidade de um lar é o icônico Fetch the Bolt Cutters, de Fiona Apple. Este trabalho também é marcado por uma sensação de isolamento social, tanto porque a artista se encontrava reclusa, distante da mídia, há muitos anos, quanto porque foi um dos trabalhos mais importantes lançados durante o período de quarentena da pandemia.

Os cachorros de Fiona Apple, presenças super determinantes na vida da artista, aparecem na capa, emprestam seus latidos na música que dá título ao trabalho e também são creditados nas faixas. Contudo, a sensação de intimidade que aparece em Fetch the Bolt Cutters é um pouco diferente: quando a artista abre sua casa, mostra uma realidade muito mais visceral, expondo raivas e traumas que conheceríamos apenas entre quatro paredes. Através de sua música, somos testemunhas de seus demônios interiores.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte