SINAPSE: espaços vazios

Steve Lacy, “Cranes In The Sky”, Dev Hynes, Philip Glass e guindastes

Loading

Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

 

 

GUINDASTE

Dev Hynes, Philip Glass e Matta-Clark

 

Steve Lacy lançou recentemente o álbum Gemini Rights, um trabalho “eficaz em sua simplicidade” e cheio de dores de cotovelo. Os clipes lançados para a promoção do trabalho mostram Lacy cantando e tocando guitarra em cenários industriais usando uma roupa branca e preta com um cifrão estampado no peito.

No vídeo da faixa “Sunshine, por exemplo, Lacy canta ao lado de Fousheé e ambos são içados por um guindaste. Conforme sobem, é possível ver a vizinhança, formada apenas por galpões, exaustores nos telhados e caminhões estacionados.

A imagem me lembrou da música de Solange intitulada “Cranes in the Sky, no qual ela metaforiza o peso de um relacionamento passado com a imagem de um guindaste, ou seja, com uma presença imponente, estranha e que evoca simultaneamente a construção e a destruição.

Solange e Steve Lacy são dois nomes que associo a Devonté Hynes, produtor inglês mais conhecido pelo seu projeto Blood Orange. Hynes, que já lançou parcerias com ambos os artistas, mora nos EUA há cerca de 15 anos, e compartilha com eles a mesma sonoridade R&B, urbana, melancólica e influenciada pelos anos 1980.

Existe no Youtube uma entrevista de Dev Hynes com Philip Glass, promovida pela NPR. A conversa entre os dois compositores se dá no loft de Hynes. Sentados frente a frente, os artistas conversam sobre as peculiaridades de se ter um trabalho com a música, desde a aceitação da família até a necessidade de se arranjar trabalhos adjacentes à carreira para pagar as contas.

Em determinado momento, os compositores falam sobre como o cenário urbano moldou a música que fazem. Hynes diz: “a influência de Nova York, para mim, está no pulso, no ritmo da cidade, que é algo que se ouve muito na música de Philip Glass. O fato de ele dirigir táxis, por exemplo, você pode sentir isso, especialmente naquelas peças [que ele compôs] naquela época”.

A cidade de Nova York também faz parte do imaginário de Blood Orange. Seus clipes geralmente mostram lofts e espaços vazios, ocupados por músicos e dançarinos. É um imaginário urbano muito característico do universo artístico: antigas fábricas de bairros abandonados nas cidades grandes que, justamente por isso, são ocupadas pelos artistas – e que, geralmente, precedem o processo de gentrificação.

Gordon Matta-Clark foi um artista visual que se apropriou dos cenários de Nova York de uma maneira muito particular, fazendo recortes em edificações inteiras, arrancando pedaços da estrutura ou cortando casas ao meio. Um dos projetos de Matta Clark foi um restaurante comunitário no SoHo do começo dos anos 1970, gerenciado por artistas e dentre os quais fazia parte Philip Glass.

As anti-esculturas de Matta-Clark evidenciaram os espaços vazios da cidade e, consequentemente, os espaços vazios subjetivos de seus moradores. Nesse sentido, o peso da ocupação pelos artistas ganha um caráter simbólico que sublinha a importância da comunidade.

Loading

Autor:

é músico e escreve sobre arte