SINAPSE: forças misteriosas

Arca de Noé, Alex G, The Microphones e a fé como linguagem social

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

ARCA DE NOÉ

Alex G, o Lo-Fi e os animais

 

God Save the Animals é o novo álbum do cantor e compositor americano Alex G. Na capa, que parece ser uma pintura a óleo, quatro aves coloridas e tropicais estão pousadas sobre alguns troncos retorcidos. No céu, uma formação de nuvens carregadas esconde o horizonte.

Um flyer da turnê do disco reforça essa estética das pinturas, mostrando animais com olhos arregalados e com uma anatomia duvidosa. É a celebração de um estilo artístico meio tosco e muito autêntico. Em certo sentido, não é difícil assimilar a imagem da capa do disco à música que ele contém. Alex G sempre manteve a sua assinatura Lo-Fi, mesmo depois de despontar no mainstream. Dono de um estilo musical que não faz concessões, Alex G canta e experimenta com sua sonoridade sem medo de ser feliz.

“I see great waves coming our way” (“eu vejo grandes ondas vindo em nosso caminho”), canta o músico na faixa “Miracles”. A mensagem soa, paradoxalmente, otimista e apocalíptica ao mesmo tempo. No álbum, a ideia de divindade está atrelada aos animais e o verso nos faz imaginar a grande inundação da arca de Noé, na qual o Deus do Velho Testamento inunda o planeta e dá um reset na humanidade.

De acordo com a sinopse do álbum no Bandcamp, “Deus” aparece no título, na primeira música e em múltiplas das 13 faixas do disco. Não se trata de uma entidade religiosa, mas, sim, de um sentimento de fé mais generalizado. A música de Alex G é pop e é hermética, é intimista e oblíqua, mas acessível, assim como a fé: mais uma linguagem social compartilhada do que uma doutrina religiosa.

A sonoridade de God Save the Animals me lembrou de outro clássico do Lo-Fi, intitulado The Glow Pt. 2, da banda The Microphones, liderado pelo artista Phil Elverum. No álbum, Elverum imprimiu um borrão sonoro que traduz a sua angústia existencial. A capa exibe um desenho de um elefante apagando uma fogueira com a tromba.

Mas, para além do som em si, existe uma semelhança conceitual, que diz respeito a uma força misteriosa que pode ser confundida com a fé. O desenho da capa de The Microphones mostra uma força natural que se depara com uma manifestação mística, um brilho (“glow”) misterioso. Elverum eventualmente declarou que esse brilho é a força interior da vida de uma pessoa.

Sufjan Stevens também escolheu uma ave – o cisne  -, para metaforizar o seu relacionamento com a religião. No álbum Seven Swans, as canções possuem poucos instrumentos: piano, banjo e vozes aparecem de maneira pontual, dando a entender que forças ocultas operam nos seus espaços vazios.

No entanto, assim como em God Save the Animals e The Glow Pt. 2, Seven Swans também apresenta momentos de contraste, de apoteoses, com muitas vozes e instrumentos se sobrepostos, evocando algum tipo de experiência mística e transcendental.

 

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Autor:

é músico e escreve sobre arte