Resenhas

Alex G – God Save The Animals

Nono disco do ousado produtor americano realiza colagem coesa de elementos sonoros opostos e imprevisíveis

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Ano: 2022
Selo: Domino Recordings
# Faixas: 13
Estilos: Psicodelia, Dream Pop, Experimental
Duração: 44'
Produção: Alex Giannascoli e Jacob Portrait

A interpretação dos sonhos é um assunto que há tempos rende discussões interessantíssimas. Há quem pense nesse processo como uma tradução a  partir de um dicionário de símbolos, em que sonhar com determinadas situações tem uma relação direta com eventos futuros. Mas, por outro lado, a psicanálise traz um viés diferente de interpretação, um que enxerga mirabolantes situações oníricas como metáforas realizadas por nosso aparelho psíquico. Através destas, a mente abranda o sentido original do sonho substituindo seus elementos por outros – como um deslocamento de sentidos. A visão da psicanálise parece complicada à primeira vista, mas também pode ser facilmente compreendida quando pensada sobre um exemplo prático. E, neste caso, não precisamos recorrer a estudos clínicos. A elucidação dessas ideias se dá, por exemplo, a partir da obra do compositor, músico e produtor Alex G.

Quando Alex Giannascoli começou a lançar seus primeiros registros na internet, a impressão geral do público era de que se escutava um sonho. Seja pelos diferentes símbolos que evoca tanto no som quanto nas capas dos discos (Beach Music, 2015), Alex tem um apego muito grande com esta linguagem onírica – o que o colocou, muitas vezes, como um nome proeminente do revival psicodélico na década de 2010. Entretanto, seus discos possuem alguns pontos que causam certos conflitos na escuta – um estranhamento benéfico que instiga o ouvinte a desvendar mistérios. É aí que entra a ideia do sonho como deslocador de sentimentos, e Alex brilha não apenas como produtor, mas como um desbravador do tecido dos sonhos. Ao invés de colocar elementos sonoros em seus sentidos e contextos originais, Alex tensiona o ouvinte deslocando tudo de lugar. Não de maneira caótica e desordenada, mas minimamente reconhecível pelo ouvinte, para que ele não desista da obra.

Este trabalho de precisão é um chave para compreender seu novo disco, God Save The Animals. O clima de psicodelia e caos relativo ficam por conta da minúcia das trocas. Há momentos, por exemplo, em que Alex faz uso do autotune, o colocando junto a guitarras etéreas do Dream Pop. Por sua vez, os vocais versáteis de Alex possibilitam dar a cada música uma intenção diferente. Às vezes, ele nos surpreende com um timbre mais infantil, quase como um coro da igreja. Em outras faixas, sua voz assume uma postura mais séria e centrada, ideal para uma balada indie singer-songwriter. Alex une diferentes ecos e cria sua própria linguagem.

Como uma canção feita para fogueiras de acampamentos, Alex escolhe “After All” para iniciar seu trabalho, tensionando acordes e fazendo um uso camaleônico de sua voz. “Mission” traz uma faceta mais melancólica, beirando o mood cinza de Elliott Smith, mas nunca se entregando totalmente à tristeza. “Ain’t It Easy” chama a atenção pela progressão de acordes no estilo midwest emo, mas ganha um contorno frágil com truques de edição de áudio. “Blessing” deixa de lado a leveza, para explodir logo de cara em timbres extremos de sintetizadores – o que não deixa de soar um pouco como um new metal dos anos 2000. Em delírio puro, “Headroom Piano” traz o noise rock à tona, porém com frases de piano harmônicas escondidas entre as distorções – uma espécie de “Onde está o Wally” do rock experimental. Por fim, “Forgive” foge do caos dessas colagens e propõe uma balada indie como respiro final para o ouvinte.

Reconstruindo arranjos e timbres, Alex traz o que há de mais singular em sua obra: a habilidade de criar colagens sonoras extremas, sem sacrificar o sentido e coesão dos discos. Da mesma forma que um sonho coloca personagens aleatórios em situações ainda mais randômicas, ele também se aventura por essas justaposições ousadas. Assim, a impressão que temos ao ouvir God Save The Animals é a mesma de quando entramos nesses sonhos malucos: está tudo fora de ordem e misturado, mas, ironicamente, o todo parece fazer sentido dentro dessa aleatoriedade minuciosamente construída.

(God Save The Animals em uma faixa: “Headroom Piano”)

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ARTISTA: Alex G

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique