SINAPSE: (não) há tempo para dançar

Dumb, David Byrne, “I Zimbra”, dadaísmo e busca por sentido

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

I ZIMBRA

Talking Heads, poemas Dada e o absurdo da vida

 

A banda canadense Dumb acaba de lançar um novo álbum, intitulado Pray 4 Tomorrow. O tema do disco parece apontar para algumas ansiedades da vida moderna, aquelas pequenas frustrações cotidianas que acabam por revelar problemas sociais mais profundos. Os títulos das músicas – “Out of Touch”, “Desolation”, “Civic Duty” – denunciam esse sentimento. O clipe para a faixa “Pull Me Up, por exemplo, mostra imagens da banda vivendo uma vida frugal em Vancouver, andando pelas ruas, jogando raspadinha e cantando: “feels like not ever changes”.

A sonoridade de Pray 4 Tomorrow parece beber diretamente na fonte do pós punk de bandas como Gang of Four e, quem sabe, de outros projetos mais recentes como Parquet Courts. No entanto, a maneira bem-humorada com que as letras são elaboradas, vindas de um observador atento e autodepreciativo me parecem muito mais próximas da maneira como David Byrne enxerga a vida.

Talking Heads, banda liderada por Byrne, sempre foi um projeto muito ágil em apontar para as sujeiras sociais convenientemente escondidas embaixo do tapete da nação. Não é um olhar cínico, arrogante e que oferece soluções fáceis. Nas músicas há humor, mas há uma admiração pela complexidade da vida: músicas que falam sobre a guerra, por exemplo, são dançantes, ao mesmo tempo em que declaram que não há tempo para dançar.

O projeto mais recente de Byrne, o show chamado American Utopia, faz uma curadoria de músicas que falam de uma vida suburbana, pacata e individualista, de pessoas sem engajamento. Na música “Don’t Worry About the Government, por exemplo, Byrne canta sobre um sujeito satisfeito em morar em um condomínio próximo ao emprego, enquanto olha para a política do país à distância: “I see the states, across this big nation / I see the laws made in Washington, D.C./ I think of the ones I consider my favorites / I think of the people that are working for me.

Uma das canções escolhidas para compor American Utopia é “I Zimbra”. A letra, uma glossolalia absurda e sem sentido lógico, é emprestada de um poema dadaísta do artista Hugo Ball. Ball declarou que suas ambições artísticas eram lembrar ao mundo que existem pessoas de mente independente que, para além da guerra e do nacionalismo, vivem por ideais diferentes.

Às vezes, para experimentar a complexidade da vida, é preciso cair em contradições, transcender a lógica e as explicações excessivamente fáceis. Sobre I Zimbra, Byrne declarou: meu amigo Brian Eno sugeriu que usássemos um poema nonsense de um artista Dada como letras para essa música. [Os artistas Dada] estavam usando o nonsense para tentar dar significado a um mundo que não fazia sentido.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte