Tuyo já é

Os dois volumes de “Chegamos Sozinhos em Casa” comunicam um trio firme em sua identidade e proposta

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Fotos: Juh Almeida

É um álbum duplo, mas suas metades foram lançadas em meses diferentes, o que faz parecer também serem dois discos individuais. Esse é Chegamos Sozinhos em Casa – dividido entre Vol.01 e Vol. 02 –, uma coleção de 17 faixas que expande o universo estético da banda Tuyo sem deixar de entregar ao seu público a honestidade sentimental já oferecida antes. É uma dinâmica que satisfaz tanto a demanda do ouvinte, quanto a vontade de se desafiar dos músicos. O que ambos, público e banda, têm em comum é a liberdade de sentir e cantar ao mesmo tempo, juntos.

Em Tuyo, a emoção é a fome e a criatividade, a vontade de comer. Daí a música como diálogo, como algo que sempre inicia um vínculo no plano da identificação e da sensibilidade. Ir aos shows da banda é ser convidado a uma breve catarse coletiva, de coro apaixonado e mãos para cima, enquanto violão, guitarra e programações embalam a cumplicidade dos ali presentes. Em uma época quando o estar reunido em um mesmo lugar não é possível, parece que a música de Tuyo se permitiu ser superlativa nesses dois âmbitos que a compõem: ela ficou ainda mais emocional, e com ainda maior ênfase no instrumental.

Ao longo dos dois Chegamos Sozinhos em Casa, perspectivas emocionais e reflexões baseadas no que foi vivido são cantadas com a intensidade Tuyo que já conhecemos – aquela que “segura na âncora e pula no mar” –, agora um pouco exacerbada para dar conta do momento pujante de seus lançamentos. Neles, “todo fracasso é pra sempre”, “nenhuma dor é pra curar” e “o jeito é ir embora”. A cada faixa, alguns versos saltam aos ouvidos para confirmar a profundidade com que a banda segue trabalhando.

É curioso, então, notar que a audição das novas músicas parece fluir de maneira mais leve que Pra Curar (2018), um disco sonoramente “para dentro”, com músicas que faziam seus arranjos reverberarem na direção interna – deixando para os shows a experiência compartilhada. Com caráter mais dançante, quase extravasante, essas músicas trabalham todo o corpo a favor de suas mensagens. É assim em “Sonho da Lay”, “Do Lado de Dentro” e “Pra Curar”, por exemplo.

Mais uma vez ao lado do produtor Janluska, o trio dá vazão à sua musicalidade contemporânea, calcada em um Pop arrojado, para construir camas sonoras certeiras para seus desabafos e confissões que serão entoados em uníssono nos shows, como o refrão de “Saudade Impura”. Em meio a momentos contemplativos (como as faixas que encerram os volumes, ambas com Jonathan Ferr), Tuyo mostra estar com o formato de “canção” bastante aflorado e entrega faixas como “Tem Tanto Deus”, “Tem Dias” (com Drik Barbosa) e “Pronta pra Cair” (com Lucas Silveira). É preciso notar que, como as últimas frases daqui mostram, os convidados têm a potência que a obra propõe, com Jaloo (“Pra Curar”), Luccas Carlos (“Sonho da Lay”) e Lenine (“Fracasso”) entre os parceiros.

Em meio a tantas novidades, o fã que acompanha Tuyo desde Pra Doer (2017) e gostaria de matar saudades daquela banda que reside em sua memória também tem seu espaço nesse par de discos. É interessante notar como “Hoje Eu Quero Chorar” e “Chegamos Sozinhos em Casa” são essencialmente aquilo que o trio sempre trabalhou na poesia de palavras diretas, que parecem saídas de mensagens confessionais ou entradas em um diário.

A ausência de uma narrativa explícita que una os dois volumes em começo, meio e fim, como se contasse uma história, mostra que o que Lay, Lio e Machado quiseram mesmo apenas reunir suas novas músicas e intenções criativas. Por mais que diferentes lados da(s) obra(s) apontem para direções variadas, toda coesão reside em Tuyo e em sua vontade de oferecer boa música. A própria natureza ambígua de Chegamos Sozinhos em Casa, por ser tanto um só álbum, quanto dois discos, comunica que o foco verdadeiro está na criação, não na forma como ela é organizada para chegar aos nossos ouvidos. Inclusive, é um raro caso de álbum recente cuja audição no modo aleatório não prejudica a obra.

Independentemente de como você escutar os volumes de Chegamos Sozinhos em Casa, é mesmo um lançamento que vale por dois, principalmente na linha narrativa da banda. Tuyo mostra que segue explorando suas próprias possibilidades, trazendo à tona o que não é fácil cantar (ou sentir) e entregando uma dose de sinceridade que já é intrínseca à sua identidade. É prova também de que o trio fez questão de não encarnar o clichê do “se perder para se encontrar”, mas se empodera de sua personalidade, estética e história para achar em si o que dói, cura e se liga ao outro.

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ARTISTA: Tuyo

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.