Entrevista: Mustache e os Apaches

Das ruas para os palcos, depois para o estúdio, quinteto surpreende por musicalidade e bom humor espontâneo

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Uma vez, eu estava indo para casa depois de um show e me deparei com uma verdadeira gangue de cinco músicos aparentemente vindos de outro lugar, época ou plano metafísico. Eu já tinha visto Mustache e os Apaches ao vivo no All Folks Fest, mas ver a banda ali na rua me deu uma nova ideia do impacto que o grupo consegue ter nas pessoas. Detalhe: Eles não estavam tocando, estavam apenas indo de uma apresentação a outra, conversando e carregando seus instrumentos.

Isso foi antes de sair seu primeiro e homônimo disco, lançado ao final do ano passado. Quando veio o álbum, todas as nossas suspeitas de que essa era uma banda para se estar de olho foi cumprida. Dona de um carisma muito próprio e agradando qualquer público que queira se divertir, Mustache e os Apaches sabe causar sem perder o que interessa: Música da melhor qualidade.

Em uma tarde de abril, os cinco apareceram na redação Monkeybuzz para uma entrevista esbanjando seu bom humor (acredite: Eu limpei muitos dos “risos” entre as falas) e se mostrando tão interessantes quanto parecem.

Monkeybuzz: Pra começar, como é a dinâmica de ser uma banda de rua e uma banda de palco ao mesmo tempo?

Jack Rubens: Acho que a gente começou a se adaptar ao palco aos poucos. Os primeiros shows eram feitos em volta de um microfone só, daí a gente começou a eletrificar os instrumentos aos poucos, sem perder o timbre característico. A gente foi ver, já tava usando guitarra, agora bateria também.

Tomas Oliveira: É uma questão de saber se adaptar aos lugares, né? Cada ambiente em que tu tá requer um jeito de se inserir diferente.

Rubens: A logística impõe algumas coisas. A eletricidade, por exemplo, que a gente não usava na rua. Mas é uma boa escola. Acho que, quando a gente tá no palco, o que mais ajuda que a gente pegou da rua foi o entrosamento com público. Outra coisa foi nos ouvir melhor, porque a gente começou sem se ouvir direito e agora, num teatro, a gente começa a conhecer a voz do outro (todos riem). Axel Flag: E o cachê melhor anima também (risos).

Mb: O bom humor está sempre presente no trabalho de vocês, das apresentações ao clipe de Twang. Eu entendo que isso também tem a ver com a rua, de chamar a atenção mais do que só com a música. Como vocês veem isso?

Lumineiro: Quando a gente sai pra rua a gente tem um desafio muito grande que é exatamente esse: Como prender a atenção das pessoas? Como a gente para alguém que tá, de repente, indo pro trabalho, indo pra algum compromisso, como a gente para essa pessoa e faz ela prestar a atenção? O bom humor é um canal que facilita essa comunicação. Quando você pega alguém pelo sorriso, ela é rendida por ti. É difícil passar uma mensagem muito introspectiva num ambiente tão conturbado quanto é a rua.

Rubens: É um bom humor também meio espontâneo. É esquisito ver um monte de maluco com instrumentos andando pela Paulista, é meio surreal. A gente dá risada de si mesmo.

Lumineiro: A gente também é uma galera que vive muito de alto astral. Sempre tá um brincando com o outro, sempre tirando sarro de alguma coisa. Pedro Pastoriz: É só se colocar em nosso lugar mesmo: Tu olha pros lados assim… (olha em volta, todos riem antes que ele termine a frase).

Mb: Quano você estavam tocando na rua, vocês imaginavam que as coisas poderiam tomar essas proporções todas que tem tomado – com apresenteções em teatros, viagens etc?

Tomas: Na verdade, não existia pretensão, era uma coisa de gostar mesmo de fazer aquilo. A gente queria tocar e na rua era o mais fácil, o mais prático, o bar em que a gente tocava era na esquina de casa, a gente conseguia ensaiar, criar repertório, criar intimidade.

Axel: Era uma fase legal porque era livre. Isso é legal, isso é muito sedutor.

Pedro: Se a gente tivesse muitas pretensões, a gente provavelmente teria desistido logo. A gente morava junto, tinha conta junto e precisava de dinheiro. E quando a gente ia pela grana, não dava certo. A gente descobriu isso muito cedo. Agora estão acontecendo algumas coisas e você pensa “Poxa, tudo acontecendo tão rápido”. Na verdade não, foi muita porta na cara, muita coisa que deu errado. Se a gente tivesse pensado “estamos construindo alguma coisa na rua, é nossa plataforma de trabalho”, isso desmotivaria a ponto da gente desistir.

Lumineiro: Legal é que hoje a gente tem essa leitura do que já aconteceu, porque enquanto estava acontecendo a gente fazia pelo simples prazer de conquistar o próximo bar.

Pedro: Exatamente.

Axel: Era muito bom, eu tenho muitas saudades daquela época.

Lumineiro: Isso de entrar num bar em que as pessoas estão cabisbaixas, muito comedidas, e a gente chegava com uma energia de (gritando) “woohoo”, e a gente sacava pelos olhares que era uma galera que já não era um público fácil. A vontade era de ganhar essas pessoas, fazer quatro bares por dia, dez shows por noite.

Rubens: E a gente descobriu a fórmula mágica daquela tinta que o Chapolim usa pra pintar as paredes e elas ficam invisíveis (risos), de não diferenciar o palco da rua, de “apagar as paredes do teatro” e ver ali como rua também.

Mb: Do lado de cá, a impressão que eu tinha sempre foi essa, de que as coisas iam acontecendo à medida que vocês iam trabalhando na rua. Por isso perguntei, porque a gente sabe que cada banda tem uma intenção diferente por trás das escolhas que faz na carreira.

Pedro: No meu caso, quando eu cheguei lá – é uma longa história também -, eu já vinha de algumas frustrações com banda, às vezes de muita vontade de “ah, então é isso que se faz para chegar lá”, o que ainda é o maior assunto que debato quando tô tomando cerveja com os amigos que são músicos. Então eu já tinha meio que me esquecido disso, daí começa a funcionar o natural.

Lumineiro: Eu queria lembrar uma frase que o Pedro falou um tempo atrás (começa a rir), “o sucesso é igual fugir da cadeia: Por onde passou o último, é ali que não vai dar certo” (risos). O pessoal fala “putz, aqula banda surgiu do nada e não sei o quê, como é que foi o caminho daquela banda?”, aí a galera vai naquele caminho que já foi trilhado, então não tem a novidade daquilo. Então nós, nessa despretensão toda, “vamos simplesmente tocar? Vamos simplesmente criar uma história e tocar na esquina de casa?” – acabou surgindo um caminho aí.

Rubens: Tem aquela música da Rita Lee em que ela fala que “roqueiro brasileiro sempre teve cara de bandido”. Se for pela cara, a gente é bem roqueiro brasileiro, pelo medo que a gente causa na parte mais consevadora, é uma gangue mesmo com seus instrumentos, parecem armas (risos).

Mustache e os Apaches

Mb: A gente falou sobre como foi ir da rua para palco. Agora, como foi sair da rua para entrar no estúdio?

Tomas: O estúdio foi uma loucura pra gravar o primeiro disco, porque a gente tinha pouco dinheiro, então significa pouco tempo. A gente entrou e, em dois dias, fez tudo correndo. Foi uma experiência intensa e não foi uma vivência intensa, como é a rua, como são os shows. Foi assim “entra, grava e sai”, depois que a gente viu o resultado.

Rubens: A pré-produção foi na própria rua, tocando nos bares e tal…

Tomas: Exato, já sabia tudo, entrou no estúdio e fez.

Pedro: Mas isso é uma coisa que a gente conversa muito pros próximos. Assim como a gente desconstruiu a ideia de um palco, como desconstruir a ideia de um estúdio. Não sei como viabilizar isso ainda pro próximo, mas queria muito gravar na rua mesmo.

Tomas: É que todo o mercado fonográfico teve aquele auge, então a música boa era produzida em estúdios bons. Hoje em dia, isso tá se revertendo, já temos home studios muito bons, vamos ver o que vai aparecer pela frente, quais são as possibilidades que vão aparecer. Gravar um disco também é captar o momento. Pode ser mais importante ter uma atmosfera de quando rolou um momento interessante entre os músicos do que estar hermético e limpo. O que importa é a música que tá acontecendo ali.

Pedro: Uma coisa que me irrita no estúdio é a falta de limitação, sabe? A gente foi pra rua justamente porque tinha uma limitação, ninguém tinha nos convidado. Eu vi uma entrevista com o Jack White em que ele falava que, quando ele não consegue compor, ele tira duas cordas do violão e ele tem uma nova perspectiva sobre aquele instrumento. Eu acho que o estúdio é um violão com umas doze cordas. Tem tudo, daí você vai ouvir sua música e aquilo não se parece com nada, sabe? Fica meio over. Isso é algo que a gente vai evitar nos próximos discos.

Mb: Sobre “próximos discos”, quais são as novidades que a banda está preparando?
Rubens: A gente tá no processo de composição, entrou no estúdio e gravou um possível single. A gente não pode revelar ainda (risos). Tomas: Novidade também é que o Lumineiro tá se aventurando também na bateria agora.

Lumineiro: Acho que criar o show no palco traz possibilidades novas de formação. No começo era aquela configuração porque a gente ia subir e descer morro com aqueles instrumentos nas costas. Então não tinha porque eu levar a washboard e uma bateria, o Rubens levar três violões, o Pedro levar guitarra…

Pedro: Eu ouvi dizer que bandas de Bluegrass não tinham percussão por isso.

Lumineiro: Sim! E isso é uma coisa legal que fala muito sobre quem é Mustache e os Apaches. Naquele momento inicial, a gente tinha que levar os instrumentos nas costas, hoje a gente pode contar com uma van que vai ajudar a levar mais coisas quando a gente estiver a fim de fazer um espetáculo de palco.

Pedro: A gente tava reparando que o single do disco foi Come to Sing with Us e Twang. No próximo, a gente tá muito a fim de falar em português e conhecer mais do que só o Sul e o Sudeste do país. É uma longa busca da sonoridade, a gente não se define também. Fala-se muito da gente como música norte-americana, mas há muito mais interesse no sertão brasileiro do que no Texas.

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MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.