Mestre em cena

Al Green, o reverendo do Soul, faz qualquer regravação soar totalmente como um novo hit. Fizemos uma lista com alguns dos melhores, compare

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A voz de Al Green poderia ser tombada como patrimônio cultural imaterial da humanidade. Dono de um dos falsetes mais potentes da música, o timbre único do cantor eleva qualquer construção harmônica. Entre suas extraordinárias habilidades está a flexibilidade: o norte-americano é capaz de caminhar tranquilamente entre o minimalismo romântico e a explosão energética do Soul, fazendo tudo sempre à máxima potência. Ele é um dos grandes últimos nomes do gênero, responsável por sua vertente mais lenta e sensual que marcou os anos 1970 e continua a influenciar artistas até hoje. Aliado ao registro vocal inigualável há um estilo despretensioso de cantar que parece nos surpreender o tempo todo no decorrer de uma canção. Por isso, quando Al Green decide fazer um cover, a música se transforma completamente e, não à toa, há uma extensa lista de faixas assim no seu catálogo.

Além das autorais – de beleza inquestionável como “Let’s Stay Together”, “Tired of Being Alone”, “Simply Beautiful”, “I’m Still In Love With You” – e da fase gospel, quando abandonou a música secular em 1980 para se tornar reverendo, Al Green ainda nos presenteou com versões de respeito dos clássicos de seus contemporâneos. Beatles, Marvin Gaye, Willie Nelson, Curtis Mayfield, Carole King, Bee Gees; todos eles viram seus sucessos se transformarem em lentas baladas de amor ou em sons sinuosos e sensuais. Abaixo, cinco exemplos incríveis dessas investidas de Al Green e uma playlist com quase todas elas ao lado de suas versões originais (para a gente poder comparar).

“The Letter” (1969)

Original: The Box Tops (1967)

Green Is Blues (1969) é o segundo disco de Al Green, mas é o primeiro de sua longa parceria com Willie Mitchell, produtor e dono do selo Hi Records. Os dois – acompanhados pela banda da casa, Hi Rhythm Section – foram os responsáveis pela sonoridade única do Soul do Reverendo. E “The Letter”, juntamente com os outros cinco covers do álbum, tem todas as artimanhas que o grupo gostava de usar nas regravações – o ritmo da música é desacelerado e um backing vocal feminino foi adicionado estrategicamente. A balada roqueira e displicente se transforma em uma canção apaixonada e ansiosa e a interpretação energética, inquieta e desejosa de Al Green rouba a cena.

“I Want To Hold Your Hand” (1969)

Original: The Beatles (1963)

Esse foi o hit que deu início à “Invasão Britânica” dos Beatles nos Estados Unidos, em 1964, e levou a Beatlemania para o resto do mundo. É um clássico de maior categoria, do tipo “Músicas Que Toda Banda de Casamento Sabe Tocar”, mas Al Green se mantém à altura do quarteto e entrega uma interpretação singular. Sua “I Wanna Hold Your Hand” é a versão adulta da paixonite adolescente original. A inocência do iê iê iê é trocada pela urgência romântica do Soul, que fica ainda mais acentuada pelo timbre intenso, ao mesmo tempo que melindroso, de Al Green – ele simplesmente não consegue esconder o que sente quando segura a mão de seu amor. A produção e a banda se complementam afiadíssimas e a entrada dos trompetes no segundo refrão é tão primorosa que, depois de ouvi-los, é a versão original que parece errada sem eles. A releitura do Reverendo emplacou com o público e ajudou a estourar seu disco daquele ano, Green Is Blues (que têm mais um cover dos Beatles, “Get Back”), e posteriormente, entrou como faixa bônus na edição de aniversário de 40 anos.

“I Can’t Get Next To You” (1971)

Original: The Temptations (1969)

O segundo disco desta parceria, Al Green Gets Next To You (1971), solidificou a sonoridade da Hi Records e também o talento de Al Green nas letras, com a autoral “Tired of Being Alone”. Mas a faixa mais impressionante do álbum é o cover de “I Can’t Get Next To You”, um dos maiores sucessos da estrelada discografia do Temptations, de 1969. Al Green desnuda a versão original de seu Funk agitado e vocais múltiplos para criar um Soul arrastado e vibrante. Enquanto ele se gaba de todas as coisas magníficas que pode fazer, como controlar o tempo e transformar água em fogo, também se atormenta porque nada disso tem valor se estiver longe de sua amada. É uma lamúria disfarçada de exibicionismo – e a voz de Al Green soa exatamente assim: urgente e forte, acompanhada com maestria pela banda. É uma rendição tão excepcional que chegou ao 6º lugar das paradas de sucesso quando foi lançada, um anos após a original sair.

“Light My Fire” (1971)

Original: The Doors (1967)

Além do hit do Temptations que dá nome ao disco, Al Green Gets Next To You têm mais quatro covers em sua tracklist e entre elas está “Light My Fire”, faixa que alçou o The Doors à fama em 1967. Na versão do reverendo, a melodia e o vocal são tão gráficos em sua sensualidade que ela poderia ser usada como trilha sonora para qualquer cena tórrida em algum filme do Quentin Tarantino. É um Soul lânguido, swingado, menos ansioso que o Rock original – e sem abrir mão do solo maluco de teclados de Ray Manzarek: aqui, ele aparece emulado pelo órgão elétrico do Hi Rhythm Section. Os versos são declamados como cantada ao pé do ouvido, com direito a risada e tudo, até chegar o refrão e Al Green corresponder à tensão melódica com seus falsetes e gemidos. O cover eleva o que a versão original tem de melhor: a paixão exacerbada. E, apesar de se tratar de uma música que foi regravada até à exaustão ao longo dos anos, a “Light My Fire” de Al Green possui um brilho só dela.

“Together Again” (1976)

Original: Buck Owens (1964)

Não é nenhuma surpresa que o reverendo tenha tantos covers de música Country em sua discografia: a veia romântica corre forte pelos dois gêneros. E “Together Again”, grande sucesso de Buck Owens, é o melhor deles. (com todo o respeito à maravilhosa “For the Good Times”, cover de Kris Kristofferson regravada no maravilhoso disco I’m Still In Love With You, de 1972, que fez muito sucesso). Nesta versão, Al Green mostra novamente seu talento para transformar sofrência em música para dançar agarradinho no baile. Tudo nela desacelera – o tempo da harmonia, da melodia e o ritmo – para fazer o abraço durar um pouco mais. Com muita sutileza, chega até seu melhor momento: um solo de saxofone em contraposição Soul ao solo de pedal steel da versão Country original. O órgão elétrico, característico da música Gospel norte-americana para onde Al Green eventualmente migrou, adiciona mais uma demão harmônica na música. O resultado é um cover romântico, atemporal e perfeito para uma primeira dança de casados.

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ARTISTA: Al Green