Amor, morte e solidão por Antony and The Johnsons

“I Am A Bird Now” trata de temas profundos e emociona pela voz impressionante de Antony Hegarty, resultando em um dos discos mais bonitos de sua época

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Sabe aquele disco lançado há algum tempo que você carrega sempre com você em iPod, playlist e coração, mas ninguém mais parece falar sobre ele? A equipe Monkeybuzz coleciona álbuns assim e decidiu tirar cada um deles de seu baú pessoal e trazê-los à luz do dia. Toda semana, damos uma dica de obra que pode não ser nova, mas nunca ficará velha.

Antony and The Johnsons – I Am A Bird Now

Sou um dos maiores exemplos vivos de que a nossa relação com uma banda, disco, música, vai muito além do que passa por nossos ouvidos. Momento de vida, identificação temática, humor no primeiro momento que ouviu, quem te indicou, entre muitas outras possibilidades nos influenciam a todo momento. Por isso mesmo, boa parte dos discos que cogitei usar pra estreiar minha participação na coluna Fora de Época, tinham essa carga pessoal muito grande e queria procurar um disco que mantivesse essa identificação, mas que fizesse o maior sentido possível para quem estivesse lendo.

Essa reflexão me fez escolher I Am A Bird Now, segundo álbum do projeto de Antony Hegarty, Antony and The Johnsons. Minha identificação com a temática trabalhada em suas letras é difícil de entender inicialmente, já que passa por androginia, amputação de seios, morte, entre outros temas intensos e muito particulares de Antony. Mas tudo isso, são apenas “personagens”, dentro dos grandes arcos existenciais como o amor, a morte, a solidão. Pela profundidade, me impressiona o quanto suas canções conseguiram ganhar uma boa repercussão e tocar todos os tipos de pessoa, sendo sem dúvida, um dos discos mais bonitos que já ouvi na vida.

Antony parece ser um daqueles músicos que realmente merecem esse título, podendo ser substituído sem receios também pelo de artista. Suas referências, sua maneira de compor e de tocar, conseguem resultar em um daqueles sons que precisam de poucos segundos do disco tocando para te arrepiar por completo. Muito pelo apadrinhamento que recebeu de seu “fã” Lou Reed e também por seu selo de lançamento, Antony and The Johnsons é uma banda cultuada no circuito alternativo, mas que em I Am A Bird Now, prova o quanto deveria constar entre os grandes clássicos da música popular, ao lado dos grandes nomes e das grandes vozes americanas. Simplificando, é música pro pai, pra mãe, pra vó, pra namorada, mas também pro crítico e pro professor de música.

A voz de Antony é algo fora do normal e sem dúvida rouba a cena em qualquer uma das faixas. Sempre conto que quando ouvi este disco pela primeira vez, fui procurar apresentações de Hope There’s Someone ao vivo e encontrei pelo menos três vídeos em que o próprio chorava ao cantar, tamanha a carga emocional que coloca em cada uma de suas músicas. Cada vez que ele cita o trecho “Hope there’s someone / Who’ll take care of me / When I die, will I go”, conseguimos sentir que ele está nos confessando pela primeira vez seu grande medo na vida e não apenas repetindo palavras planejadas e qualquer um que já tenha amado, consegue se identificar e acompanhado da beleza da voz de Antony, fica impossível não se emocionar.

Outro ponto curiosíssimo desse disco, é o peso das participações, contando com o próprio Lou Reed no hit Fistful Of Love, um dos dez destaques do álbum de dez faixas, Boy George em um belíssimo dueto com Antony em You Are My Sister, Rufus Wainwright em What Can I Do? e Devendra Banhart na crescente Spiraling. Mas a curiosidade não está no peso das participações e sim no quanto elas são ofuscadas e às vezes até desnecessárias quando colocadas lado a lado com a performance de Antony.

O disco foi então uma escolha fácil, por ser até hoje, um dos que mais me emociona, me arrepia, mas ao mesmo tempo um dos que mais ouço nas mais diferentes ocasiões, seja entrando na foça existencial do compositor, seja ignorando a letra e apenas sentindo a voz, o piano e toda a atmosfera belíssima criada.

Sua capa, talvez seja a tradução visual perfeita do álbum, em um mix de glamour e decadência, amor e solidão, beleza e morbidade da foto de Candy Darling. Portanto, caso não tenha ouvido, é um daqueles discos essenciais e emoção garantida, confie em mim.

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Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.