BIKE expandindo os horizontes

O grupo paulista destrincha a produção de seu quinto disco, “Arte Bruta”, reflete sobre compor em tempos de algoritmos e conta como foi a recente passagem pela KEXP

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Fotos: Bel Gandolfo

Forte nome da cena brasileira de rock psicodélico, a banda BIKE lançou recentemente seu quinto disco, Arte Bruta. Com produção de Guilherme Held, o disco abarca a psicodelia típica, mas insere toques de rock progressivo e acrescenta elementos percussivos – e o resultado é um repertório cheio de sinestesia.

Formado em 2015 em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, o grupo surgiu da parceria emtre Julito Cavalcante (voz, guitarra) e Diego Xavier (voz, guitarra), que após tocarem por um tempo juntos se uniram para formar a BIKE. Após o primeiro disco gravado, a formação da banda mudou e a configuração atual se tornou realidade no processo de finalização e divulgação do segundo álbum, Em Busca da Viagem Eterna (2017), com a entrada de João Felipe Gouvea (baixo) e Daniel Fumega (bateria).

Além de EBDVE, o novo álbum se junta ainda a 1943 (2015), Their Shamanic Majesties Third Request (2018) e Quarto Templo (2019), em uma discografia caracterizada por guitarras distorcidas e vocais atmosféricos. O quinto álbum veio após um processo de reedição da obra da banda em vinil, durante a pandemia, e, a princípio, contaria com apenas duas faixas, uma em cada lado do disco, sem cortes.

“Essa coisa subjetiva dura mais tempo. Ela não tem uma verdade, nem uma data de validade. A subjetividade faz as pessoas se identificarem em algum momento e em qualquer época da vida. Essa é a parada mais importante da criação artística” – Daniel

“A ideia era ter duas músicas grandes e que cada uma fosse um lado do vinil. Como se fosse uma ópera rock progressiva. Nós sempre pensamos nos nossos trabalhos em lados A e B porque gostamos da ideia de lançar em vinil. Mas, quando começamos a produzir, entendemos que talvez fosse muito difícil lançar duas faixas grandes nas plataformas digitais. É muito tempo e as plataformas precisam de algo mais dinâmico, principalmente para entrar em playlists. Hoje em dia acho que muita gente tem dificuldade de ouvir um álbum inteiro, então imagina uma música de 15 minutos. Durante a produção, o Gui [Held] deu a ideia de pegar essas duas faixas, repartir em menores e colocar alguns interlúdios e vinhetas. Dessa forma, dava para fazer um lançamento mais tranquilo e evitar que o álbum fosse esquecido”, explica Julito Cavalcante.

Apesar da mudança no formato, as duas faixas iniciais continuaram servindo de guia para o surgimento das 13 músicas do disco. Durante o processo de produção, elas foram desmembradas e tiveram algumas características modificadas. “Quando começamos a gravar, as duas faixas já tinham virado três – e depois, nove. Para chegar em 13, adicionamos vinhetas e interlúdios. No lado B, as faixas se juntam e até contam um pouco da história pelo nome das músicas, mas, no lado A, a gente mudou algumas afinações para poder descaracterizar a música e elas não soarem tanto como se fosse uma faixa só”, conclui Julito.

Conectados pela amizade em comum com Luiz Thunderbird, a parceria com Guilherme Held surgiu durante o período pandêmico, e a conexão foi retomada na produção de Arte Bruta. “O que mais definiu ter ele como opção, pelo menos para mim, foi quando eu o vi tocando no lançamento de Besta Fera, do Jards Macalé. Eu saquei que nossa linguagem era parecida. Nesse disco estávamos querendo alguém mais da guitarra, até para inovar, e o Gui foi esse cara. Foi um processo legal, aprendemos muito com ele”, conta Julito. A colaboração promove uma viagem sonora que sobrepõe guitarras, capricha na percussão e cria uma cama imponente com sintetizadores, tornado Arte Bruta um espaço propício para novas experimentações da BIKE. “Eu sinto que esse disco está mais experimental, tanto pelos interlúdios e as faixas curtas, quanto pela questão sonora. Essa sensação é porque conseguimos sair um pouco do psicodélico. O Gui trouxe muita referência percussiva e em algumas faixas trazemos pedaços de outras músicas, então nós brincamos bastante. Tem mais sintetizador, mais percussão e muita coisa de guitarra com diferentes tipos de pedais”, reflete Julito.

A mistura de referências também se reflete na criação da capa. Feita por Juli Ribeiro, essa é a primeira capa com os rostos dos integrantes estampados, além de contar com diferentes elementos combinados, como referências a músicas e trabalhos antigos do grupo. “As sobreposições dos elementos tem a ver com a construção das músicas e com como o disco foi mixado, para realmente ter essa mistura. Ela é uma capa que condiz com a música que está ali dentro, com essa junção de vários elementos”, conta Julito.

“Sinto que esse disco está mais experimental, tanto pelos interlúdios e as faixas curtas, quanto pela questão sonora. Essa sensação é porque conseguimos sair um pouco do psicodélico. Tem mais sintetizador, mais percussão e muita coisa de guitarra com diferentes tipos de pedais” – Julito

A mistura de referências também se reflete na criação da capa. Feita por Juli Ribeiro, essa é a primeira capa com os rostos dos integrantes estampados, além de contar com diferentes elementos combinados, como referências a músicas e trabalhos antigos do grupo. “As sobreposições dos elementos tem a ver com a construção das músicas e com como o disco foi mixado, para realmente ter essa mistura. Ela é uma capa que condiz com a música que está ali dentro, com essa junção de vários elementos”, conta Julito.

Antes do lançamento do disco, a BIKE participou dos festivais SXSW e o Treefort Music Fest, ambos nos Estados Unidos, nos quais foram apresentadas algumas faixas do álbum antes do lançamento oficial. Além das performances nos festivais, a banda marcou presença no estúdio da KEXP, em Seattle, para gravar uma session para o canal do YouTube da rádio.

“Era uma coisa que nós queríamos desde sempre. A KEXP é o templo da música alternativa. Nós somos fãs da programação, dos apresentadores e várias bandas que gostamos já tocaram lá. Eu particularmente estava muito preocupado em acertar as letras, porque eu errei a letra de ‘Filha do Vento’ quase a turnê inteira, mas acertei na gravação. Foi incrível conhecer o espaço e realizar a gravação”, fala Julito. “Só caiu a ficha quando eu estava lá. Chegar nesse lugar é uma sensação maravilhosa e é um resultado do trabalho. Ao mesmo tempo em que te deixa tenso te deixa seguro”, conta Daniel Fumega.

As reflexões sobre os objetivos buscados e os caminhos artísticos da banda ficaram mais nítidas em Arte Bruta – já no título, uma vez que se trata de um conceito relacionado a obras que fogem de um padrão estético estabelecido e que ressalta as emoções e a subjetividade do artista.

Para Julito, a escolha do nome tem a ver com a manutenção sonora do grupo. “Nós somos da cena dos anos 2010 para cá, e eu acho que muitas bandas que começaram nessa época foram ficando cada vez mais formatadas, com som mais limpo e pop. Mas a gente quis fugir um pouco disso e dessas regras da indústria musical. A nossa sempre foi ir para o outro lado, usar uma afinação que já não é padrão, uma estrutura das músicas fora do padrão e a mesma coisa com as letras. Por isso a arte bruta foi uma influência, não queríamos seguir nenhuma teoria, regra ou soar parecido com alguma coisa. A ideia era misturar tudo que a gente gostava com o que já fazíamos e brincar com os elementos”.

Com letras fluidas e arranjos imprevisíveis, a BIKE mira na manutenção da sua arte tanto no presente quanto para os ouvintes futuros. “Essa coisa subjetiva dura mais tempo. Ela não tem uma verdade, nem uma data de validade. A subjetividade faz as pessoas se identificarem em algum momento e em qualquer época da vida. Essa é a parada mais importante da criação artística”, reflete Daniel.

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ARTISTA: BIKE