“De-Loused in the Comatorium”: os 10 anos do coma de The Mars Volta

Ironicamente, a obra-prima do grupo completa uma década no ano de sua separação, mas ainda há tempo de apreciar o ousado debut do duo Omar Rodríguez-López e Cedric Bixler-Zavala

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De-Loused in the Comatorium foi uma escolha um tanto ousada e, digamos, excêntrica para uma banda iniciante. Em 24 de Junho de 2003, (exatamente há dez anos) ia às prateleiras o primeiro álbum do The Mars Volta, banda conhecida na época como novo projeto de Omar Rodríguez-López e Cedric Bixler-Zavala, ex-membros do fenômeno de mídia At The Drive-In, desmembrado dois anos antes. Repleto de um obscurantismo lírico e de uma profunda experimentação sonora, este disco é um dos mais completos já feitos pela dupla e, não à toa, é eleito por muitos fãs como sua obra-prima.

De fato, esse não é um disco nada fácil de ouvir, seja pela sua temática quase absurda ou pelas diversas convergências estilísticas e estruturais, porém são esses também os principais motivos que tornam este disco tão único e interessante. Esta é uma obra surreal, que poderia ser descrita como Expressionista, se fosse uma pintura. Suas referências são profundamente obscuras (algumas vezes beirando o nonsense), cheias de neologismos e jogos de palavra que dificultam o seu entendimento lógico, porém, ao mesmo tempo, fornece várias formas de apreciação subjetiva – as mais variadas possíveis e isso possibilita entendermos um pouco mais sobre o que se passava nas cabeças de seus compositores quando resolveram criar tal obra.

Basicamente, este é um epitáfio. Um longo ensaio em homenagem a Julio Venegas (artista e grande amigo da dupla que se suicidara em 1996), aqui apelidado como Cerpin Taxt. Julio tinha comportamento abusivo em relação às drogas e usava tudo o que pudesse encontrar, muitas vezes fazendo misturas tão absurdas quanto a que levou o personagem deste álbum ao coma – um combinado de morfina e veneno de rato. É neste clima que se constrói De-Loused in the Comatorium, como uma série de visões e alucinações dos demônios que perseguiram Cerpin até seu último suspiro.

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Sob este plano de fundo, se desenvolvem dois dos principais elementos que popularizariam a banda nos anos seguintes. De um lado as enigmáticas e indulgentes letras, às vezes se aproximando das construções de James Joyce ou Lewis Carroll. Mas ao invés de entrarmos na toca do coelho como na famosa obra de Lewis, entramos no não menos atormentado subconsciente de Cerpin em meio ao seu purgatório. E isto logo de cara fica visível com o Inertiatic ESP e sua letra cheia de imagens bizarras (“The hooks had been picking their scabs where”, “Clipside of the pinkeye fountain”) e pelo verso repetido à exaustão: “Now I’m Lost”. Esse tipo de excentricidade e essas construções visuais surreais aprecem a todo instante e levam o ouvinte a imaginar o que Venegas passou e o porquê desta homenagem póstuma.

O outro ponto importante são as construções musicais em si. Longe de se encerrar na simplicidade explosiva vista em ATDI, as faixas de The Mars Volta são ambientadas em um terreno de puro experimentalismo onde muitos encontram referências ao Free Jazz, Rock Progressivo e Psicodélico e influências latinas soltas por todas as partes. Uma fusão musical, sem dúvida alguma, tão volátil quanto às próprias letras do grupo. As linhas robustas e frenéticas de Rodriguez, a bateria multirrítmica de Jon Theodore (hoje ocupando as baquetas do Queens of The Stone Age) e o baixo sempre muito bem trabalhado de Flea (do Red Hot Chili Peppers) engrandecem a obra com momentos realmente catárticos.

Apresentando uma boa dinâmica entre o calmo e o barulhento, o disco apresenta faixas mais ferozes (Inertiatic ESP e Drunkship of Lanterns) e outras mais amenas e exóticas (Son et Lumière, Tira Me a las Arañas e Televators), bem como músicas que são feitas sob essas duas perspectivas (Roulette Dares (The Haunt of), Eriatarka e Cicatriz ESP). Ainda que grande parte delas tenha a assinatura de Omar, o famoso Rick Rubin também tem seu mérito à mesa de produção e colabora também para o sucesso deste álbum – isto sem contar a participação de John Frusciante nas guitarras da ótima Cicatriz ESP.

O obtuso álbum basicamente traz de volta a vida (ou algo perto disto) um velho amigo, quase o que foi feito para Syd Barrett em Wish You Were Here. Construído sob o ponto de vista de Cerpin (ou Julio, se preferir) ele não sugere em nada que o amigo está em um lugar melhor, mas trata de temas como abuso de drogas e suicídio com certa compaixão. Longe de conter algum tipo de julgamento ou justificativa para Venegas, este é apenas um último adeus – de pessoas que tentam entrar na pele de quem sofreu com esse trágico fim. No fim das contas, De-Loused in the Comatorium é uma obra que cria beleza a partir de uma tragédia.

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MARCADORES: Aniversário

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts