SINAPSE: liberação explosiva

IDLES, Charli XCX, “Motomami”, “Titane” e David Cronenberg

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

CRASH

Idles, Motomami, Titane

 

A série de vídeos From the Basement, produzida por Nigel Godrich, já registrou momentos icônicos do mundo da música, mas estava sem dar sinal de novidades há algum tempo. Nessa semana, no entanto, as performances acabam de retornar para uma nova temporada. A primeira, da banda de punk britânica IDLES, que lançou o disco Crawler no final do ano passado, já pode ser assistida.

Crawler é um disco agressivo, conforme o esperado. Porém ele contém uma energia distinta em relação aos seus antecessores, uma “incorporação desconfortável do ruído” na sua produção, algo denso, como se as músicas da banda estivessem contidas no momento que precede a explosão. A música “Car Crash, por exemplo, avança em pancadas sonoras, com batidas secas de bateria e ruídos que evocam uma batida de carro.

Existe um ponto de intersecção estético, muito improvável, entre o pós-punk do novo álbum da IDLES e a música pop. Embora estejamos falando de pensamentos musicais que avançam quase paralelamente, ambos tem uma produção que usa blocos de ruído para desconstruir a harmonia da música, sintonizando, de certa maneira, a velocidade agressiva em que corre o mundo contemporâneo.

Charli XCX, por exemplo, lançou há alguns meses um álbum chamado Crash. A capa mostra a artista ajoelhada sobre o capô de um carro. Através de um para-brisa rachado, podemos ver que sua testa está sangrando. Na música que dá nome ao disco, ela canta em stacatto sobre um desejo autodestrutivo, narrando em primeira pessoa os pensamentos de alguém que está prestes a bater o carro.

Um sintoma interessante é que o novo álbum Rosalía, Motomami, lançado na mesma época, compartilha a mesma ideia de erotização, na qual gasolina, asfalto e combustão, de alguma maneira, são equivalentes à libido e à potência sexual. Na música “Saoko, por exemplo, Rosalía afastou-se um pouco do flamenco que era a base de seu primeiro álbum e entrou de cabeça no hyperpop, avançando em alta velocidade sobre uma harmonia entrecortada.

Essa tematização, que une o universo erótico ao automobilístico, confundindo os limites de onde termina o corpo humano e começa a máquina, foi explorada recentemente o filme de terror visceral Titane. Na história, dirigida por Julia Ducournau, uma mulher desenvolve uma relação afetiva com um carro após sofrer um acidente automobilístico.

Sem dúvida Titane possui traços do pensamento de David Cronenberg. No seu polêmico filme Crash, inspirado pelo romance de J. G. Ballard, ele retrata pessoas com atração por acidentes de trânsito. De acordo com um dos personagens da trama, o que ocorre é uma busca, trágica e impossível, por uma liberação explosiva de uma energia até então reprimida.

Uma entrevista com Jim Williams, o autor da trilha sonora de Titane, oferece um ponto de vista interessante sobre a confusão de limites entre a subjetividade humana e o mundo concreto. Ele diz: “meu som favorito quando menino era o do drone das hélice dos aviões, porque eles me faziam sentir triste. Eu adorava. Eu sou um viciado em emoções, mas as pessoas muitas vezes apontam que minha música é terrivelmente triste, sombria, melancólica e, portanto, um pouco difícil de se ouvir”.

 

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Autor:

é músico e escreve sobre arte