SINAPSE: o físico e o não físico

Miss Grift, Björk, engenharia mecatrônica e “Manifesto Ciborgue”

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

 

MANIFESTO CIBORGUE

Miss Grit, Björk e a engenharia mecatrônica

 

Margaret Sohn, artista de ascendência coreana que vive em Nova Iorque, acaba de lançar mais um álbum sob seu codinome Miss Grit. Intitulado Follow the Cyborg, o álbum explora nossa relação com a tecnologia através da música pop. As músicas são efervescentes e exibem timbres metálicos que vivem em harmonia com pulsões orgânicas e calorosas.

No álbum, a figura do ciborgue é o mote para desvendar as nuances das relações humanas. Sendo uma pessoa não-binária, Sohn usa Miss Grit como um canal de autoanálise e expressão individual. Nesse sentido, sua música evidencia a construção da identidade enquanto um processo cultural.

A ideia parece vir do ensaio Manifesto Ciborgue (1985), escrito pela bióloga e filósofa norte-americana Donna J. Haraway. No manifesto, Haraway desenvolve a ideia de que o ciborgue, criatura formada pela fusão entre máquina e orgânico, misturando realidade social e ficção, seria uma metáfora para evidenciar uma posição política na qual as fronteiras entre físico e não físico mostram-se fluidas.

​​De acordo com a Enciclopédia de Antropologia, o Manifesto Ciborgue coloca em xeque dualismos como mente/corpo, natureza/cultura, macho/fêmea e organismo/máquina, que seriam então desmanchadas, dando espaço a conceitos maleáveis e passíveis de reconstruções. “Esse processo de remodelamento de corpos e de relações mostra como os corpos são construídos e podem ser desmontados, colocando à prova sua suposta naturalidade e revelando suas possibilidades políticas”.

O imaginário Pop é profusamente habitado pelo corpo-ciborgue, aberto a uma nova realidade, que se manifesta num espaço intermediário, renunciando à divisão cartesiana do mundo. Um ótimo exemplo dessa manifestação está na islandesa Björk, mais especificamente no clipe para a música “All is Full of Love”, de 1999.

A música de Björk é um trip hop minimalista que divaga sobre a fertilidade da natureza. Já o clipe, transporta essa ideia para o mundo robótico, e mostra uma cena de amor entre dois andróides. O cenário é asséptico e clínico, mas a ação dos robôs é delicada e fluída.

Chris Cunningham, o diretor do clipe, revelou que sua ideia inicial tinha algo a ver com a fusão do Kama Sutra com a engenharia mecatrônica. A conclusão para essa ideia, curiosamente, não conseguiu se manifestar para além do campo das ideias: inicialmente, foi planejado que durante o final do visual, os robôs se desdobrariam como uma flor enquanto acasalavam, revelando uma forma de vida abstrata feita de duas formas artificiais. No entanto, a equipe não conseguiu materializar esse pensamento”.

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ARTISTA: Björk, Miss Grit

Autor:

é músico e escreve sobre arte