Zelena, de YMA e Jadsa, para o mundo

EP colaborativo cruza referências que vão dos anos 1970 à contemporaneidade e celebra a sincronia musical e poética das duas artistas; “Foi um lugar em que a gente podia sonhar”

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Fotos: Mooluscos

Um encontro de ideias promovido pelas redes sociais, ainda no período pandêmico, entre Jadsa Castro e Yasmin Mamedio, conhecida como YMA, consumou a existência de um terceiro ser: Zelena. Com seis faixas, o EP do projeto, cujo título significa “verde” em croata e esloveno, apresenta um espectro de cores embebido de referências musicais que circulam entre os anos 1970 e a contemporaneidade de mentes atuais.

Sem demora, a faixa de abertura “Noite Estonteante”, embalada pela suave voz de YMA unida ao coro – de Maíra Morena, Marina Melo e da própria Jadsa – e a uma percussão prazerosamente executada, exibe a mistura proposta pelo projeto desde sua concepção. Ora pelo coro, ora pelos elementos da banda, Zelena se transmuta em algo vivo e conceitual. “A gente foi percebendo do que se tratava e pensamos nesta personagem, que é essa energia, que, no final das contas, é esse terceiro elemento que nasce deste nosso encontro. Foi um lugar em que a gente podia sonhar e pensar em criar novas possibilidades dentro do que era possível. Acho que a gente se saiu muito bem”, define YMA.

Na sequência, com letra simples e estimulante, Jadsa entoa a melódica canção autoral “Mete Dance”, escrita em 2021. “Não canse / Mete dance / Antes que tudo caia / Não canse / Let’s dance / Antes que tudo caia”. O som enérgico traz assinatura semelhante de trabalhos anteriores da baiana, com uma marcante guitarra complementada por Fernando Catatau, integrante da banda.

Abertas a intercessões e sugestões externas, YMA e Jadsa convocaram a banda composta por Pedro Lacerda (bateria), Caio Terra (baixo), León Perez (teclas), Thiago Leal (moog), além de Catatau.

A produção ficou por conta do músico e engenheiro de som Fernando Rischbieter. “A gente interferiu em tudo, a todo momento, e fomos interferidas por quem estava junto e por quem estava ali criando. Fernando arranjou muitas coisas, assim que ele sentia uma inspiração, logo puxava algo e vinha com as ideias que íamos executando. Isso era muito massa”, conta Jadsa.

“Fomos percebendo do que se tratava e pensamos nesta personagem, que é essa energia, que, no final das contas, é esse terceiro elemento que nasce deste nosso encontro. Foi um lugar em que a gente podia sonhar e pensar em criar novas possibilidades dentro do que era possível. Acho que a gente se saiu muito bem” – YMA

“Eu sinto que Jadsa se apropriou das minhas canções e eu das dela. Não tinha uma distinção na hora. Nas músicas dela, por exemplo, eu canto menos, porém eu estava tocando, coisa que faço pouco e gostaria de fazer mais, na verdade. Eu estou até mais inspirada em gravar mais no estúdio. Isso foi uma coisa muito boa que me aconteceu,” completa YMA.

Em cinco dias de trabalho no estúdio Matraca Records, na capital paulista, o grupo ainda estava compreendendo o que era o “novo normal” durante segundo semestre de 2021 – até que o repertório foi tomando forma ao transitar entre elementos de pop, indie, samba, new wave e rock. Um dos destaques está em “Meredith Monk”, referência à personalidade da multiartista americana. Entre bateria, baixo, Rhodes, Hammond e sintetizadores, Zelena é versátil, pop e capaz de surtir múltiplas sensações no ouvinte. “Quando eu entendi que não seria apenas um single feito com a Jadsa, quis escrever ‘Meredith Monk’, feita num momento da pandemia em que me debrucei sobre a obra dela. Mergulhei em uma obra especial que é o disco Turtle Dreams (1983)”, lembra YMA.

“A gente interferiu em tudo, a todo momento, e fomos interferidas por quem estava junto e por quem estava ali criando. Fernando arranjou muitas coisas, assim que ele sentia uma inspiração, logo puxava algo e vinha com as ideias que íamos executando. Isso era muito massa” – Jadsa

A sequência de agito é suspensa na canção “Amantes”, em que Jadsa realiza um jogo de palavras cheio de ambiguidade e efeito: “Fico pensando nela / Fico tocando nela / Quando tô sem ela / Eu tô sem eu / Mas eu continuo amando / Fazendo carinho na minha guitarra / E ela fazendo carinho em mim”.

A sincronia entre a paulistana e a baiana também estava presente nas carreiras solo de ambas – enquanto YMA executava seu pop excêntrico e multidisciplinar em Par de Olhos (2019), Jadsa gravava Olho de Vidro (2021). Meditando sobre olhos, olhares, visão e visões, as artistas sentiram a necessidade de ação, ao passo que o mundo arrefecia. Assim, veio a releitura de “O Olho do Lago”, presente no disco Com Defeito de Fabricação (1998), de Tom Zé.

“Eu sinto que Jadsa se apropriou das minhas canções e eu das dela. Não tinha uma distinção” – YMA

“YMA trazia essa composição do Tom Zé em suas apresentações, dentro do show do Par de Olhos. No estúdio, ela me mostrou a versão de Cid Campos e a gente decidiu que iria fazer isso porque tinha tudo a ver. Estávamos buscando uma síntese para esse projeto, porque além de a gente dar à luz a personagem Zelena, este terceiro elemento, a gente também queria dar sentido no contexto, dar esse sentido do olho”, justifica a baiana.

Em uma combinação primorosa de ritmos e vocais distintos, a dupla gera, além de um novo projeto, influências recarregadas para suas respectivas trajetórias. “Para mim, foi importante estar nessa com outra mulher fazendo isso acontecer. Jadsa tem uma potência, essa coisa ariana, essa coisa que faz. Foi muito importante conviver com essa energia, isso me deu outro gás para a vida”, elabora YMA. E quanto a apresentar essa parceria ao vivo para o público? – “Zelena está no mundo, só ela pode responder”, conclui Jadsa.

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ARTISTA: Jadsa, YMA