SINAPSE: com um martelo

Yaeji, Beyoncé e os gestos catárticos da destruição

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

 

MARTELO

Yaeji, Beyoncé e a destruição

 

Recentemente, a produtora coreano-americana Yaeji lançou seu primeiro álbum completo, intitulado With a Hammer. Na capa, ela aparece segurando um enorme martelo de demolição, no qual desenhou de caneta preta um rostinho com as sobrancelhas arqueadas. O objeto traduz em linguagem visual o sentimento por trás desse álbum: a raiva.

Ao longo de 13 faixas, a artistas vai processando os seus sentimentos e articulando os seus desgostos em forma de canção. No entanto, mesmo que as faixas se quebram em ritmos desconstruídos e dissonâncias, sua voz soa majoritariamente suave.

Afinal, percebemos que o que Yaeji está tentando romper não são as coisas ao seu redor, rodopiando seu martelo por aí, destruindo televisões e cristaleiras, mas sim padrões de comportamento tóxicos. Na faixa “Done (Let’s Get It)”, ela diz: “Isn’t it so weird how we learn to pass down what we didn’t want to do? Isn’t it our missing in this life to break the cicles?”

A imagem de Yaeji me fez lembrar do videoclipe de Beyoncé intitulado “Hold Up”, no qual a artista, caminhando pela rua com um vestido amarelo esvoaçante, rouba o taco de beisebol de uma criança e sai por aí despedaçando coisas, a janela de uma carro, a tampa de um hidrante, uma câmera de segurança e assim por diante, sempre um com um semblante sorridente e satisfeito.

A faixa “Hold Up” está no álbum Lemonade, álbum que cravou de vez a imagem de Beyoncé como epicentro da música pop do nosso tempo. Lemonade é um trabalho sobre empoderamento, “um álbum protagonizado por uma mulher forte cujo pano de fundo duplo – sua afrodescendência e a infidelidade do parceiro – é tido tanto como combustível, quanto como pretexto para exercitar sua força”.

O vídeo de Beyoncé é uma referência ao trabalho de uma artista visual suíça chamada Pipilotti Rist. Na obra de 1997, chamada Ever Is Over All, um vídeo arte que lembra de fato o imaginário de um videoclipe, a artista caminha pela calçada em slow motion, com uma música lenta e evocativa ao fundo. Surpreendentemente, ela usa um talo de flor que tem nas mãos para quebrar a janela de um carro.

O vídeo de Rist é uma exploração poética da ideia estereotipada de feminilidade, colocando a flor como uma arma. Mais do que isso, no entanto, Rist transforma um impulso destrutivo em um gesto catártico e transformador.

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ARTISTA: Beyoncé, yaeji

Autor:

é músico e escreve sobre arte