Resenhas

Yaeji – With A Hammer

Primeiro disco de estúdio da produtora rompe com o “conforto” de lançamentos anteriores e traz elementos de tensão, brincando com distorções e dissonâncias

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Ano: 2023
Selo: XL Recordings
# Faixas: 13
Estilos: Trip Hop, House, Drum N Bass
Duração: 43'
Produção: Yaeji

Desde os anos 1990, a cultura clubber se movimenta e se incrementa por conta da vontade de fugir do dia a dia. E essa apreciação da música eletrônica como escape da rotina capitalista massacrante encontra cada vez mais adeptos, principalmente por conta da hipervelocidade contemporânea. É uma linguagem de refúgio, da qual produtora nova-iorquina Yaeji também faz uso, mas de uma forma diferente. Ela parece pegar todo o sentimento de escape e transportá-lo para um âmbito mais individual, sem perder, entretanto a força da influência do house e do techno. É como se o club rolasse dentro de um quarto repleto de coisas pessoais e múltiplas referências musicais particulares.

Mesmo rondando por entre texturas etéreas e distópicas, Yaeji nunca se esqueceu de fazer dançar – o hit “Raingurl”, por exemplo, merece destaque pelo jogo de contrastes entre a barida e os pads. O quarto de Yaeji é a única festa que importa. Entretanto, após lançamentos cada vez mais ambiciosos, como a ágil e divertida mixtape WHAT WE DREW 우리가 그려왔던 (2020), e colaborações com nomes em ascensão na música eletrônica recente, Yaeji expandiu sua festa. Ela não tem mais apenas quatro paredes para se inspirar – ela, agora, tem o mundo todo.

Portanto, quando der play no primeiro disco de estúdio da produtora, tenha em mente que este talvez não seja mais o espaço aconchegante que ouvimos em EP2 (2018). Ele ainda é extremamente convidativo e flerta com aqueles momentos, só que agora a linguagem de Yaeji chega com timbres mais intensos, distorcidos e frenéticos. Não à toa, o disco ganha o nome de With A Hammer, deixando claro que Yaeji ainda precisa de seu quarto, porém para quebrar coisas ao invés de relaxar de boas.

A faixa de abertura, “Submerge FM”, que introduz o ouvinte ao mundo de Yaeji, anuncia que as coisas serão mais turbulentas do que o esperado. Em seguida, o single “For Granted” adapta a estética da produtora à realidade mais ágil e frita do drum n bass. “paassed me by” é uma das faixas cuja experimentação vem no timbre oscilante de voz de Yaeji – algo entre Bjork e Sega Bodega.  “Done (Let ‘s Get It)” é o momento ideal para compreender como mesmo dentro do ambient/lounge ela é capaz de achar um elemento de esquisitice. “Michin”, parceria com Enayet, sobe os graves e os efeitos que transformam a sua voz para possibilidade mais extremas. Por fim, “Happy”, como o nome aponta, traz um mood mais suave e alegre, apesar de parecer ser construída de vários fragmentos – uma instabilidade dentro do familiar.

Mesmo mudando a rota, Yaeji reforça o quanto se sente à vontade com as possibilidades da música eletrônica. Ao invés de repetir ideias, ela utiliza todos os recursos possíveis para experimentar linguagens mais extremas –  e isso não significa apenas sons mais altos. Às vezes Yaeji consegue expressar raiva a partir de um minimalismo muito controlado, brincando com desafinações, vocais mais quebrados e ritmos descompassados. Não é uma abordagem experimental tão intensa como a de Arca, por exemplo, uma vez que a ideia parece ser justamente realizar um movimento diferente, um mais para dentro do que para fora. Explorar frestas e arestas obscuras e profundas de seu próprio quarto de referências, se estranhar com um ambiente que é um velho conhecido – e sair martelando tudo.

(With A Hammer em uma faixa: “Done (Let’s Get It)”)

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ARTISTA: yaeji

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique