SINAPSE: imensidão interior

O novo disco de Feist, Giacometti, Hana Rani e “Nu Descendo Uma Escada”

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

 

NU DESCENDO UMA ESCADA

Feist, Hana Rani e Giacometti

 

A artista canadense Feist anunciou recentemente o lançamento de um novo álbum, chamado Multitudes, para o mês que vem. Enquanto o trabalho completo não chega, ela lançou três singles que preparam o terreno para o nascimento. O título evoca uma imensidão interior, de uma pessoa que olha para dentro de si mesma e encontra uma dimensão análoga ao universo observável à nossa volta.

Multitudes tem uma linguagem visual muito interessante, na qual a figura da artista se repete indefinidamente ocupando todo o espaço à sua volta – um pouco como o quadro Nu Descendo uma Escada de Marcel Duchamp.  O clipe de “Hiding Out in the Open” usa de maneira muito esperta os efeitos especiais para colocar a cantora contracenando consigo mesma. Na música, o mesmo efeito se repete: ela canta os próprios backing vocals, e um delay de sua voz reverbera, o que foi cantando servindo como harmonia para o que virá em seguida.

A linguagem visual despista a nossa percepção. Feist mostra várias pessoas – várias de si mesma – para disfarçar o fato de que, na verdade, está sozinha. Na faixa “Hiding Out in the Open” ela canta: “Everybody’s on their own / So that way we’re never alone”. Essa ideia é reforçada por coisas que estão “escondidas a olho nu” no vídeo, como, por exemplo, um senhor escrevendo uma carta no canto direito, que nunca chama a atenção do espectador.

Em 1947, o artista plástico Giacometti escreveu uma carta a Matisse. No texto, o artista faz um panorama de sua obra e biografia, revelando o seu processo de trabalho solitário: sempre insatisfeito consigo mesmo, lutando contra a sua percepção, tentando capturar em suas esculturas o que observava, mas sempre mudando de opinião. Giacometti produzia numa época em que a arte tentava descobrir como representar a figura humana, já que o realismo não interessava muito às vanguardas artísticas da arte moderna. Giacometti esculpia figuras franzinas e compridas, muito expressivas, que deixavam o espaço à sua volta em evidência – o vazio e a solidão como força material, com massa e peso, possível de ser manipulada pelo escultor.

Recentemente, uma artista chamada Hania Rani foi convidada para elaborar a trilha sonora para um documentário sobre Giacometti. Para compor suas músicas, ela se mudou para os Alpes suíços, trabalhando em isolamento nas montanhas encobertas de neve.

O curioso é que Hania Rani já costuma trabalhar sozinha, construindo loops com piano e sintetizadores, e preenchendo o espaço vazio à sua volta com camadas e camadas de som, que se desenrolam como uma avalanche. É a mesma ideia do trabalho de Feist, mas levado às últimas consequências. Na sua música, o tempo flui, mas em movimentos circulares, lembrando-nos que fazemos parte de um ciclo que se repete infinitamente.

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ARTISTA: Feist, Hana Rani

Autor:

é músico e escreve sobre arte