SINAPSE: luz poética da realidade

Wolfgang Tillmans, Frank Ocean e o ordinário extraordinário

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

ORDINÁRIO EXTRAORDINÁRIO

Frank Ocean e Wolfgang Tillmans

 

Uma recente exposição no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, o MoMA, homenageia o fotógrafo Wolfgang Tillmans. Trata-se de uma retrospectiva de 30 anos, com fotografias límpidas e coloridas que vão do documental ao experimental. O trabalho de Tillmans inclui retratos de jovens dentro de casa, manchas coloridas e abstratas feitas com luz e até registros de fenômenos astronômicos. Tudo isso, animado pela ideia de criar conexões e uma ideia de coletividade.

Uma das fotografias na exposição é a de um jovem, cabelos raspados e pintados de verde, cobrindo o próprio rosto com a mão. Trata-se de Frank Ocean, na foto que acabou se tornando a capa do álbum Blonde (2016). A fotografia de Tillmans e a música de Ocean jogam luz sobre sentimentos, deixando claras coisas que até então estavam invisíveis: vulnerabilidade, intimidade e sexualidade.

Em nossa resenha sobre o lançamento de Blonde, Lucas disse que o álbum “tem muito mais escondido embaixo da superfície de suas belíssimas melodias e letras sobre relacionamentos juvenis. Frank Ocean levou anos criando sua própria simulação de realidade, pincelando as referências e as histórias que mais o representam – ou que ele gostaria que o representassem”. De fato, intimidade e manchas coloridas, que são marcas da fotografia de Tillmans, parecem explicar muito bem, sinestesicamente, a música de Ocean.

Em uma entrevista o fotógrafo afirmou que “os melhores retratos possuem um equilíbrio intenso, uma vulnerabilidade de ambos os lados, entre modelo e fotógrafo”. É interessante notar que, também em Blonde, é necessário estar vulnerável para acessar as camadas que se escondem sob a ostentação material que Ocean menciona em suas letras. Ou, nas palavras de Tillmans, “o espectador deve entrar no meu trabalho através de seus próprios olhos e de suas próprias vidas”.

A resenha de Blonde, escrita em 2016, afirma que “quando um artista consegue falar a língua de uma geração e fazer com que versos e melodias de uma beleza enorme consigam parecer, por um instante, mais próximos aos nossos conflitos cotidianos, é quando a mágica da música acontece”. Assim como Tillmans, Frank Ocean é um dos que melhor fez da música um retrato da juventude. Não é uma observação meramente documental, mas sim uma construção de um olhar capaz de jogar uma luz poética sobre a realidade. É nessa luz difusa que os artistas transformam o cotidiano em algo extraordinário.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte