The Hives é sempre The Hives

O guitarrista Nicholaus Arson comenta como a banda sueca explora sua identidade – e mantém sua essência – no estúdio e nos palcos ao longo de três décadas

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Fotos: Dean Bradshaw

“As pessoas perguntam o que esperar dos nossos shows e eu sempre respondo a mesma coisa: ‘o melhor que o rock tem para oferecer’”. Fora de contexto, essa citação pode parecer esnobe, prepotente ou até mesmo ingênua. Porém, se tratando de The Hives, do bom humor que exala de suas músicas e da atitude punk combinada com figurinos tão característicos é possível ler a fala do guitarrista Nicholaus Arson com o mesmo sorriso que estava em seu rosto ao dizê-la.

Em entrevista ao Monkeybuzz, ele comentou como foi produzir The Death of Randy Fitzsimmons, disco que o grupo sueco lançou mais de uma década após Lex Hives (2012). Tanto fãs mais devotos quanto admiradores mais distantes (como aqueles que só conhecem sucessos como “Hate to Say I Told You So”) logo reconhecerão a identidade da banda em músicas como “Rigor Mortis” e “Bogus Operandi”, frutos de mais uma colaboração com o produtor Pelle Gunnerfeldt, que comandou trabalhos anteriores, agora em parceria com Patrik Berger, conhecido por produzir nomes como Robyn e Charli XCX – um dado que pode causar espanto ou até parecer irônico, mas que combina com o jeito The Hives de fazer música.

A longevidade da banda, que completa 30 anos em atividade em 2023, também foi assunto na entrevista, que aconteceu às vésperas da segunda edição do festival Primavera Sound, em São Paulo – na qual The Hives promete dar mais uma vez seu melhor ao público brasileiro, agora com o repertório do novo disco.

Um bom tempo separa Lex Hives e The Death of Randy Fitzsimmons. Como foi compor e gravar novamente?

Foi bom, estávamos felizes de poder voltar ao estúdio. Quando você fica muito tempo sem gravar, talvez você esteja um pouco enferrujado aqui e ali [risos], mas a sensação é de ânimo.

Quando você entra no estúdio para trabalhar em mais um disco, você consegue sentir o que para você é novidade e o que nunca muda no seu trabalho?

Bem, nós não necessariamente entramos no estúdio para criar um disco, nós ensaiamos bastante antes de gravar, tocamos as músicas um zilhão de vezes. Na hora da gravação, já sabemos como aquela música é e que ela pode ficar muito boa depois da produção. E aí nós podemos brincar com os sons e experimentar, mas já chegamos com uma ideia mais concreta do tipo de álbum que queremos fazer, porque já aconteceu de termos ideias “utópicas” que eram impossíveis de serem realizadas, e hoje entendemos que alguns ajustes precisam ser feitos. Mas a ideia sempre é: “vamos nos divertir”.

Para mim, há sempre um elemento muito específico de identidade em tudo o que The Hives lança, de faixas a discos, uma estética que reconhecemos de longe. O quanto isso é intencional? É algo que vocês buscam em seu trabalho ou que, hoje, aparece naturalmente?

Acho que isso aparece quando finalizamos uma música… Porque nós nunca terminamos uma música até ela ter essa sonoridade. Nós tentamos experimentar com nosso som aqui e ali, mas, mesmo se uma música tiver como base os slaps no baixo, ou um sintetizador, ou o set up de sempre – duas guitarras, baixo e bateria –, nós provavelmente temos essa intenção, como você disse. Nos perguntamos “isso aqui é The Hives?”, e se a resposta for sim, então a música está certa. Em uma entrevista anterior, me perguntaram se tínhamos uma “fórmula”. Eu disse que não, porque só existe fórmula para processos perfeitos. Se nós ainda estamos experimentando e aperfeiçoando, então não temos uma fórmula. Ainda estamos entendendo o que é que traz essa identidade, ou uma vibe, ao nosso som.

“A ideia sempre é: ‘vamos nos divertir’”

Como foi trabalhar com Patrik Berger e Pelle Gunnerfedlt nesse disco? E por que eles eram as pessoas certas para estarem com The Hives na obra?

Patrik é um amigo de Pelle que eu ainda não conhecia. Ele tem mais ou menos a nossa idade e trabalha com todo o tipo de música, ele é muito interessado no trabalho e fica horas brincando no estúdio, tentando produzir uma guitarra de Queen, ou algo assim. Ele é mais conhecido por seus hits pop, mas já trabalhou também com bandas punk e psicodélicas, porque gosta muito de experimentar. E é um cara divertido, com uma energia ótima para o estúdio. Isso é importante, porque esse ambiente nem sempre é muito inspirador. Às vezes, você fica lá por muitas horas – às vezes, começamos às 9 da manhã e ficamos lá até meia noite –, aí algo quebra e leva três horas para alguém consertar… Pode ser muito entediante. Então, se temos um cara que consegue manter o pique ao longo do dia, isso é ótimo. Digo, escolhemos trabalhar com ele por muitas razões. Uma delas eram nossas conversas, nos entendemos muito bem e ele era muito interessado para saber como gravamos nossos discos anteriores, “como vocês tiraram esse som da guitarra? Como fizeram isso e aquilo?”. E com Pelle, nós testamos outras mixagens, mas entendemos que a dele era a melhor. E isso também faz parte da sonoridade The Hives, porque ele já trabalhou em tantos dos nossos discos, imagino que muito venha daí também. Os dois são muito bons no que fazem e foram muito bons em trazer uma energia legal para as músicas. Eu não sei quem mais conseguiria fazer isso.

Você comentou que a banda ensaia muito antes de entrar no estúdio. O quanto as composições e as gravações são impactadas pela visão que vocês têm dessas músicas ao vivo?

Acho que, quando temos uma nova música, ou mesmo partes do que se tornará uma música, todos nós queremos ter a segurança de que vamos conseguir tocá-la ao vivo. Nossos shows são muito energéticos, você não quer ter a sensação de que uma música ali no meio não combinava com o restante. Para nós, é mais interessante que a apresentação toda venha em um só embalo, por isso também que preferimos fazer shows mais curtos, de uma hora no máximo. Esses são os meus shows favoritos. Então, sempre pensamos em gravar as novas faixas de forma que elas façam sentido para o que queremos ao vivo. Às vezes, no estúdio, decidimos que uma música tem que ser algo mais blues ou mais doo Wop, daí depois precisamos nos virar para descobrir como fazer aquilo funcionar no palco. Podemos gravar com um piano, ou sintetizador, e aí temos que adaptar aquele som para a guitarra. Até porque não acho que nenhum de nós vai querer tocar um teclado no meio do show [risos]. Somos uma banda de guitarras, baixo e bateria.

“Tantas bandas por aí estão comemorando aniversários de discos… Nós não. Estamos em movimento. Podemos celebrar aniversário quando estivermos mortos [risos]. Quando você faz o que curte – e, no nosso caso, é tocar ao vivo –, o tempo voa”

The Hives está em atividade há 30 anos. Você imaginava que a banda teria essa longevidade toda?

Não! Achávamos que faríamos os três discos que planejamos no início e, depois, encerraríamos as atividades antes de nós chegarmos aos 30 anos de idade. Então, já estendemos por muito mais tempo do que pensávamos [risos]. Mas a sensação é de que foram só dois anos, não 30, o tempo está passando muito rápido. Houve épocas, nesse intervalo de 11 anos entre os dois discos, que foram um pouco mais lentas. Mas, assim que você entra no pique, parece que o tempo acelera também. Deve ter a ver também com nós sempre estarmos olhando para o futuro. Tantas bandas por aí estão comemorando aniversários de discos… Nós não, estamos em movimento. Podemos celebrar aniversário quando estivermos mortos [risos]. Quando você faz o que curte – e, no nosso caso, é tocar ao vivo –, o tempo voa. Acho que isso quer dizer que nos divertimos bastante. Não consigo imaginar The Hives parando de tocar, devemos continuar juntos por mais algum tempo. Vamos morrer no palco [risos], acho que é assim que eu quero partir.

Vocês lançaram um vídeo recentemente com Matt Helders tocando “Rigor Mortis Radio”, e Arctic Monkeys é uma banda que The Hives pôde acompanhar de perto desde o início, até mesmo em turnês conjuntas. Como é para você poder ver e fazer parte da história de outras bandas?

 

Olha… A música boa pode ser feita por gente iniciante ou gente que está na estrada há muito tempo. Se uma banda trabalha bem, quero vê-la por muitos anos, e há muitas dessas. Viagra Boys é uma dessas, Queens of the Stone Age também – mesmo já estando em atividade há um bom tempo –, Bad Nerves eu também gosto muito… Quero que elas todas durem muito, porque quem ganha sou eu que estou consumindo seus discos. O dia que The Hives parar de tocar, seja por aposentadoria ou qualquer outra coisa, vou querer continuar escutando essas músicas.

Para você, qual o propósito de fazer música hoje?

O mesmo de sempre: fazer discos e turnês. Acho que, quando começamos, não achávamos que esse seria nosso trabalho. É claro que, com o tempo, nos dedicamos à banda em tempo integral – isso já faz uns 25 anos. Eu, particularmente, não queria que esse fosse meu emprego porque achava que, se música fosse meu trabalho, eu tentaria ir atrás de um som que eu imaginava que pagaria as minhas contas, e eu não sei como fazer esse tipo de música [risos]. Só sabemos fazer música de The Hives, que é o que queremos tocar.

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ARTISTA: The Hives

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.