5pra1: Brian Eno

Uma primeira viagem pelo universo da lenda da ambient music

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Fotos: Reprodução

A série 5pra1 apresenta e destrincha cinco discos que servem como primeiro mergulho na obra de um artista.

 

Ao longo de 50 anos de carreira, Brian Eno alcançou um status místico que se assemelha ao de um rockstar lendário. Entretanto, a relevância de sua obra não se mede pela idolatria dos entusiastas ou pelo número de presentes em shows de estádios lotados. Brian Eno conquistou seu espaço não apenas pela sua proficiência musical, mas pela forma como pensou a música e suas diferentes peculiaridades. Seu fascínio pelo experimental e a forma como apresentou suas ideias de diferentes maneiras – sendo a ambient music sua maior contribuição – o credenciaram como uma espécie de alquimista musical. Para Brian Eno, a música é uma linguagem composta de regras e quanto mais estas forem questionadas e colocadas para fora de um aspecto dogmático, melhor. Não é necessariamente sobre o quão longe se pode chegar dentro da música, mas como, dentro de suas minúcias, se abre um espaço verdadeiramente único para a reflexão – chegando até mesmo ao enfrentamento político. Para compreender a obra de Brian Eno, é preciso ter em mente que ele não é exclusivamente um músico, mas um dos pensadores contemporâneos que mais procuraram enxergar a música para além do entretenimento.

“Músico conceitual” ou “artista de performances”, o fato é que mergulhar em sua obra significa explorar diferentes momentos de um raciocínio incessante sobre sons. Brian nunca recebeu um treinamento musical formal, mas sempre teve curiosidade aguçada para compreender as diferentes formas de arte e expressão. Quando jovem, seu olhar se direcionou para o fervor do rock progressivo britânico dos anos 1970, quando construiu uma relação artística e de amizade com o então guitarrista do King Crimson, Robert Fripp. Brian até chegou a fazer testes para ser vocalista, mas acabou não sendo chamado. Ao invés disso, seu talento e ouvido aguçado lhe renderam a posição de tecladista da Roxy Music, com sua mescla entre experimentalismo progressivo e o glam rock. É essencial conhecer a obra desta banda para compreender os primórdios do pensamento de Brian, que desde cedo já pensava em novas formas de tensionar aquilo que era consagrado. Vale a pena, especialmente, conferir o trabalho autointitulado de estréia do grupo, de 1972.

A partir do momento que começou sua empreitada enquanto artista e produtor solo, sua fagulha criativa virou um incêndio. Refletindo sobre diferentes épocas e as respectivas tendências que as acompanhavam, ele possui uma obra que é tão extensa quanto inquietante. É um grande desafio fazer um guia para começar a escutar Brian Eno. Mas talvez seja melhor encarar este 5pra1 como apenas um empurrãozinho para que o próprio ouvinte se sinta atraído por pontos fundamentais de sua discografia – e, depois, seguir viagem.

 

Another Green World (1975)

Todo artista tem um disco que a maioria dos fãs consideram como sua obra-prima. No caso de Brian Eno, é difícil escolher um, mas há uma espécie de consenso a respeito de Another Green World, de 1975. Seu terceiro disco representa o momento em que Brian já havia caminhado solo há algum tempo, seja nas colaborações com Robert Fripp ou nos seus primeiros experimentos com sintetizadores. A ideia por trás do disco era que Brian chegasse ao estúdio sem qualquer tipo de ideia prévia ou pré-produção – ele criaria tudo do zero a partir do que concebesse dentro do estúdio. Assim, Another Green World se mostra como seu capítulo inicial na jornada pensar a música mais como um escopo de possibilidades do que uma série de limitantes estéticos.

Para ajudar em sua composição, ele recorre a um baralho de cartas chamadas Oblique Strategies – pequenos cartões com instruções ou problematizações sobre o processo criativo. O disco ainda se distancia do que seria consagrado como ambient music, mas ele nos revela a semente criativa de Brian. É um trabalho que parece unir tanto o seu passado recente (no rock progressivo) quanto o conceito de música generativa – que a cada novo elemento, traz uma nova percepção ao ouvinte. Assim, não é surpresa que o disco conte com colaboradores expressivos de seu tempo, como seu amigo Robert Fripp, Phil Collins e Percy Jones. Na produção do disco, Brian procurou ousou na tecnologia musical, como no exemplo clássico em que utiliza um piano plugado a uma caixa leslie (usada tipicamente em órgãos) e que era reverberada por um bocal de trompete grande. Ou ainda as guitarras de Fripp que ganham um contorno mais percussivo do que melódico.

Destaques: “Sky Saw”, “The Big Ship” e “Golden Hours”

 

Ambient 1: Music For Airports (1979)

A década de 1970 é certamente uma das mais prolíficas dentro da obra de Brian Eno. É em 1979 que a ambient music como conhecemos hoje tomou seu ponto de partida, por meio de um disco que poderia ser “tão interessante, quanto facilmente ignorado”. Esta famosa frase de Brian define precisamente a música construída de Ambient 1: Music for Airports – uma série de discos pautados nos princípios da ambient music e que se estendeu até a década seguinte. Um dos aspectos fundamentais do disco é a forma como Brian trabalha com loops extensos de piano e sintetizadores suaves. A ideia era reproduzir esses trechos de uma maneira que não estivessem totalmente sincronizados, atrasando ou adiantando um milésimo de segundo em relação uns aos outros.

Dessa maneira, durante a reprodução das faixas (algumas com quase 20 minutos) nós estamos claramente diante dos mesmos elementos, porém ressignificados a partir dessa falta de sincronia. Brian Eno produz aqui a bíblia da ambient music, no sentido de trazer ao ouvinte uma narrativa musical que, diferente da música popular, não apresenta uma estrutura rígida e previsível. como o famoso intro-verso-refrão. Os elementos vão acontecendo cada um à sua maneira e, caso o ouvinte procure prestar atenção, ele raramente ouvirá o mesmo arranjo, mesmo sendo feito da mesma matéria-prima. É a partir desse disco que Brian Eno começa a pensar mais no aspecto filosófico da ambient music do que propriamente os timbres das estéticas sonoras. Deste trabalho, vale a pena mergulhar dentro das duas maiores faixas – “1/1” e “1/2”. A grande duração das músicas permite ao ouvinte ter mais tempo para apreciar o mundo que Brian Eno constrói nesses 50 minutos de disco. É o tipo de música que, quando escutada mais de uma vez, revela novos significados.

Destaques: “1/1”, “1/2” e “2/1”

 

Apollo: Atmospheres and Soundtracks (1983)

Brian Eno sempre pensou no mundo como o contexto para gerar músicas e as respectivas filosofias a elas atribuídas. Em meio à corrida espacial frenética entre Estados Unidos e a União Soviética, ele se apegou a uma frase específica de um dos astronautas do programa Apollo para pensar no direcionamento de seu próximo disco. O astronauta em questão disse que a música que ele levou para ser escutada no espaço era um folk americano bastante tradicional. A partir disso, ele começou a desenvolver o que seria o disco Apollo: Atmospheres and Soundtracks, um trabalho inspirado no espaço sideral. Aqui, o espaço ocupa tanto a noção do eterno e vasto vazio entre as estrelas, como a percepção humana dentro deste espaço.

Aquela canção folk mencionada anteriormente é o que inspirou Brian a compor uma das músicas mais célebres do disco: “Deep Blue Day” – entoada nos típicos instrumentos folk (como a guitarra havaiana), mas colocada em uma perspectiva diferente. Algo como seria a ideia de um cowboy espacial vagando pelos planetas. O trabalho foi originalmente encomendado como uma trilha sonora para o documentário For All Mankind, que traria imagens realizadas pela NASA das viagens espaciais. O documentário só foi lançado em 1989, mas o fato do disco ter saído antes, possibilitou o público de traduzir aquelas canções etéreas e expansivas em imagens que não aquelas produzidas pela NASA. Em outras palavras, esse é um dos discos mais interessantes de Brian Eno por conta das paisagens sonoras que ele compõe. E ao mesmo tempo, pede ao ouvinte que complete o imaginário do repertório com as configurações individuais.

Destaques: “Deep Blue Day”, “An Ending (Ascent)” e “Drift”

 

Spinner (1995)

Já foi mencionado que Brian Eno realizou diversas colaborações durante sua carreira. Algumas dessas apareceram de forma mais tímida em participações pelos disco. No entanto, algumas dessas parcerias foram tão prolíficas que renderam alguns discos inteiros. Entre as mais conhecidas colaborações do artista estão Harold Budd, David Byrne e Robert Fripp. No entanto, na década de 1990, Brian se juntou com o baixista Jah Wobble para trazer uma perspectiva criativa não tão associada à ambient music. Ao invés de partir para texturas etéreas e suaves, o disco Spinner trouxe uma faceta mais misteriosa e tensa quando comparado aos discos anteriores.

Essa parceria raramente aparece na lista dos discos mais importantes de Brian Eno, mas é um ótimo caminho para quem ficou curioso sobre esta personalidade mais melancólica do artista – ainda que “melancólica” não seja uma palavra muito precisa para definir Spinner. Este talvez seja o intuito do trabalho, de não se basear com emoções definidas ou pré-formatadas. Durante as 12 faixas, somos estimulados a tentar nomear aquilo que sentimos, mas nunca chegamos propriamente a um termo 100% exato. Não se trata de conceber um resultado final, mas, sim, de desenvolver um raciocínio que crie algum sentido em relação às músicas. É um ótimo disco para compreender como a ambient music de Eno não necessariamente diz respeito a confortar o ouvinte. Grandes exemplos disso estão na densa “Steam”, na trilha sonora noir em “Unusual Balance” e na instigante “Left Where It Fell”. Além disso, a escuta com fone de ouvido é altamente recomendada para se atentar ao máximo de detalhes possíveis.

Destaques: “Steam”, “Unusual Balance” e “Left Where It Fell”

 

Mixing Colours (2020)

Apesar de ser menos conhecido do que o irmão, Roger Eno sempre esteve presente de nos registros de Brian – seja atuando como produtor ou pianista. Eles colaboraram juntos em registros como Apollo… , porém, recentemente, essa parceria resultou em um disco que uniu a competência de Roger como exímio pianista ao pensamento generativo e ágil de Brian. Desta vez, o evento que inspirou os irmãos a pensarem em soluções musicais foi a pandemia em 2020. O disco Mixing Colours é uma compilação de um processo que vinha acontecendo há anos. Basicamente, Roger mandava para Brian alguns excertos de piano e este, por sua vez, trabalhava a ambientação e a construção do espaço a partir dos conceitos de música generativa que sempre o acompanharam.

Algumas dessas datam de 10 anos antes, fazendo com que o trabalho soe como uma conversa lenta entre dois irmãos separados pelo espaço. Este é um trabalho pontual para entender que o pensamento de Brian Eno não deve ser encarado como peça de museu diretamente dos anos 1970. Ele ainda faz muito sentido, principalmente quando pensamos na questão do espaço e da nossa percepção do tempo radicalmente abalada pela pandemia. O fato das músicas terem nome de diferentes cores também ressalta a forma como Brian sempre coloca o ouvinte como elemento primordial da construção do sentido de seus discos.

Destaques: “Celeste”, “Dark Sienna” e “Ultramarine”

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ARTISTA: Brian Eno

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique