5pra1: Os Paralamas do Sucesso

Dos hits estrondosos às experimentações, das canções de amor à crítica social: cinco discos fundamentais de uma jornada de 40 anos ininterruptos (e contando…)

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Fotos: Divulgação

A série 5pra1 apresenta e destrincha cinco discos que servem como primeiro mergulho na obra de um artista.

 

Poucas bandas duram 40 anos ininterruptos, menos ainda sem trocar a sua formação. Sem falar naquelas que continuam rodando em turnê por todo esse tempo e conseguem emplacar hits em três décadas diferentes. É o caso dos Paralamas do Sucesso, provavelmente a única banda de rock de sua geração oitentista com esse tipo de estabilidade na carreira. Só que essa presença longeva, que tornou o trio composto por Herbert Vianna, João Barone e Bi Ribeiro um pilar da música contemporânea brasileira, também pode levar o ouvinte a encarar seus sons como música de fundo, conhecidos só por osmose.

Formada em 1982 no Rio de Janeiro, a banda enfileirou hits em novelas, emplacou baladas de amor e sofrimento, e influenciou gerações inteiras de músicos com sua mistura de sons caribenhos, africanos, brasileiros e britânicos. Mas, se a trajetória entre sucessos pops e românticos como “Meu Erro”, de 1984, e “Cuide Bem do Seu Amor”, de 2002, pode parecer óbvia e fruto de uma linha reta sonora, a realidade é que o longo caminho dos Paralamas não tem nada de previsível.

Conhecidos por rabiscarem o mapa do Brasil tocando sem parar desde os anos 1980, Os Paralamas do Sucesso também passearam por muitos estilos musicais nesse mesmo período: do new wave ao dub, da Juju Music à lambada, do blues ao afrobeat. Nessa trajetória, foram sempre capazes de colocar essa fusão em diálogo com sons mais acessíveis, de apelo radiofônico. Nos cinco discos a seguir, a ideia é mostrar ângulos que apresentam essa multiplicidade de bandas que sempre coube dentro do trio. Dos sucessos estrondosos às experimentações; do romantismo à crítica social; dos milhares de shows ao vivo aos músicos obcecados com trabalho no estúdio.

Com tantos anos de história, é claro, algumas omissões são inevitáveis. É difícil ter de cortar discos como Os Grãos (1991) e Nove Luas (1996) e a maioria dos registros ao vivo da banda. Mas, nesse microcosmo do 5pra1, sinto que é possível entender o dinamismo e a criatividade dos Paralamas que podemos perder de vista como efeito colateral da implacável passagem do tempo, tão desafiadora para a relevância de qualquer discografia.

 

O Passo do Lui (1984)

Segundo disco da banda, O Passo do Lui (1984) é um divisor de águas na carreira dos Paralamas. Não só permitiu que o trio tivesse mais controle criativo no estúdio depois do processo frustrante na gravação de seu álbum de estreia Cinema Mudo (1983), mas alavancou a banda ao estrelato nacional com uma sucessão de hits.

Contratados pela EMI após o sucesso da demo de “Vital e sua Moto” na Fluminense FM, Herbert, Bi e Barone não pararam de se apresentar ao vivo mesmo após o baixo sucesso comercial do disco de estreia. E O Passo do Lui abre com uma prova incontestável de como a banda se encontrou pelo período cara a cara com o público: “Óculos”, o primeiro dos vários mega-hits do disco, não bebe de fontes marcadamente diferentes dos sons anteriores do trio, mas já soa muito mais completo que qualquer música do disco anterior.

Ainda sob a clara influência do new wave (muito The Police), reggae e ska, o single traz vários dos passos futuros dos Paralamas – o próprio Barone diz que é quando a banda achou o próprio som em entrevista ao podcast “A História do disco”. Em “Óculos” fica aparente o ritmo suingado da cozinha da banda, sustentado pelo baixo de Bi e pela bateria de Barone, nesse caso aliados ao teclado de Jotinha Moraes. Isso sem falar na composição de Herbert sobre as frustrações das paqueras adolescentes, com um refrão perfeito para ser cantado junto pelo público. Não à toa foi responsável por catapultar a banda ao estrelato, em especial após o show seminal na primeira edição do Rock in Rio.

Mas por trás do primeiro single existe um ótimo disco e, como costume, cheio de hits. “Meu Erro”, “Fui Eu”, “Romance Ideal”, “Ska”, “Mensagem de Amor” e “Me Liga” formam uma sequência que mostra muita dos pontos fortes que carregariam os Paralamas pelas próximas décadas. O talento de Herbert como letrista de canções de amor, o entrosamento do trio e sua capacidade de incorporar e retrabalhar suas referências de outros gêneros a uma roupagem pop, brasileira e dançante.

Destaques: “Óculos”, “Meu Erro”, “Ska”

 

Selvagem? (1986)

Se O Passo do Lui fez com que o Brasil descobrisse os Paralamas, não é exagero dizer que o sucesso do disco também fez com que os Paralamas descobrissem o Brasil e o mundo.

Rodando o país em centenas de shows, a banda se apaixonou pelos ritmos que ouviu nas ruas do Norte e Nordeste, da lambada ao som dos blocos de Salvador. E, ao mesmo tempo, seguiu se aprofundando em influências já presentes como o reggae, dub e ska. Basta uma espiadinha na lista de discos citados por Herbert como inspirações na gravação de Selvagem? (1986) para entender a forte presença da música negra contemporânea nas composições, incluindo aí Jimmy Cliff, para quem os Paralamas foram banda de abertura em 1984.

É com essas influências – e contato direto de figuras como Liminha, produtor do disco, e Gilberto Gil, compositor convidado em uma faixa – que os Paralamas chegaram à mistura sonora que marca o estilo de Selvagem? e dá o norte de toda sua carreira. E, assim como no Passo do Lui, essas transformações já ficam evidentes na faixa de abertura, “Alagados”. Outro mega hit na carreira da banda, a música coloca todas as cartas do projeto na mesa: a conexão entre Maré e Trenchtown, a guitarra caribenha de Herbert, a percussão de Marçalzinho aliada à bateria de Barone, a participação de Liminha nos teclados e, em especial, o caráter político-social muito mais presente e claro do que nos discos anteriores.

Não dá para dizer que os Paralamas se tornaram uma banda política – como provam a romântica “Você” e o divertido reggae “Melô do Marinheiro”, composto por Bi e Barone –, mas Selvagem? marca o momento em que os Paralamas passam a dialogar mais frequentemente com o mundo lá fora e extrapolam a interioridade de boa parte das letras dos dois discos anteriores. Como diz o próprio Herbert, no documentário Os Quatro: “A temática das canções vêm mudando, ficando proporcional à passagem do tempo e tudo aquilo que a gente foi exposto”. Basta ouvir “Selvagem”, talvez a música mais pesada e “roqueira” do disco, passando por temas como violência policial, miséria e racismo. E é impossível não mencionar “A Novidade”, composição encomendada pela banda para Gilberto Gil, que reforça o tom político do disco mesmo com uma letra mais metafórica e simbolista. Ainda vale destacar de novo Bi, em uma de suas linhas de baixo mais emblemáticas, e a levada mais lenta da batucada de Barone durante o refrão.

Unindo os pontos fortes dos primeiros trabalhos da banda com um leque muito maior de referências à música brasileira, caribenha e africana, não é de surpreender que Selvagem? tenha se tornado o trabalho mais aclamado da banda com o passar dos anos. Mas, se hoje sua influência é incontestável e sua sonoridade quase sinônimo do que consideramos o “som” dos Paralamas, vale ouvir o episódio sobre o disco no podcast “Discoteca Básica” para perceber como esse foi um passo torto e surpreendente para os ouvintes da época.

Destaques: “Alagados”, “A Novidade”, “Melô do Marinheiro”

 

Severino (1994)

Sejamos francos, Severino (1994) não é um dos pontos marcantes da discografia do trio. Com baixa vendagem, sem grandes hits – talvez com a exceção de “Dos Margaritas” – e recepção pouco calorosa dos críticos, pode parecer uma escolha estranha para resumir a discografia da banda. Mas cabe dizer que, à sua maneira, é um disco que carrega muitas das peças necessárias para compor o mosaico dos Paralamas dos Sucesso.

Sequência do divisivo Os Grãos, de 1991, ele foi gravado por uma banda que já não vivia a crista da onda como em Passo do Lui e Selvagem? Longe de ser novidade no cenário musical, e já vendo artistas influenciados pelos seus trabalhos despontando por aí, os Paralamas podiam ter a liberdade criativa que desejassem. Por isso mesmo, Severino é um disco repleto de colaborações. Gravado na Inglaterra com a produção de Phil Manzanera, do Roxy Music, ele traz participações de Brian May, Fito Paez, a Reggae Philharmonic Orchestra, o poeta jamaicano Linton Kwesi Johnson e Tom Zé (que tem um 5pra1 dedicado à sua discografia).

Os dois últimos, por exemplo, declamam a letra de “Navegar Impreciso”, segunda faixa do disco. Sobre a colonização portuguesa, a música é um bom exemplo do destaque progressivo que o sopro vai conquistando na discografia dos Paralamas e apresenta a vontade da banda de experimentar sonoramente: nesse caso, com a presença do som de tubos de PVC. Não à toa, Barone descreveu Severino como “tentativa bem ousada de esticar essa corda da ambição artística” em uma ótima entrevista sobre os 25 anos de seu lançamento – em que ele destaca como o disco é uma um passo natural do caminho sonoro sendo trilhado desde Selvagem?.

As experimentações continuam claras em músicas como “Varal”, faixa contemplativa que não conta com Bi e traz Herbert na guitarra slide, viola e teclados, além de Barone tocando caixa, triângulo e pratos. A letra é uma das mais bonitas do disco e apresenta com clareza a maturidade de Herbert como letrista e sua capacidade de criar imagens para falar de amor – algo muito claro em músicas de outros trabalhos como “Tendo a Lua”, “Trem da Juventude” e “Uns dias”. Severino ainda conta com ótimas músicas como “Vamo Batê Lata” – que voltaremos a citar em breve – e “Rio Severino”, originalmente gravada em disco solo de Herbert. O disco é ainda a chave para falar da relação entre Paralamas e América Latina, aproximação que marca a trajetória do grupo.

Apesar das influências da música nordestina, Severino traz três músicas em espanhol: “El Vampiro Bajo El Sol”, com Fito Paez, “Casi un Segundo”, uma adaptação de “Quase um Segundo”, e um cover de “Go Back” dos Titãs. Não é por acaso, pois em 1994 os Paralamas já cultivavam o carinho do mercado latino-americano. Uma relação ainda mais especial na Argentina, descrita como um “capítulo intenso de adoção” por Herbert no livro Os Paralamas do Sucesso, que traz o grupo comentando as fotografias de Mauricio Valladares, e que só crescia desde a primeira ida da banda ao país em 1986.

E isso foi fruto de um longo e consciente trabalho por parte do grupo. As versões de músicas locais são partes importantes de sua discografia: como as lindas “Track Track”, de Fito Paez, e “Música Ligeira”, do Soda Stereo e que os Paralamas apresentariam com Gustavo Cerati em Buenos Aires. Também não faltam versões em espanhol para músicas do grupo – “Inundados”, de “Alagados”, é um exemplo.

Neste caso, a aposta nos hermanos se pagou outra vez, com uma reedição do disco alcançando vendagens muito maiores do que no Brasil. Mas, se Severino marcou um ponto baixo na carreira comercial do Paralamas, o que viria a seguir não poderia ser mais diferente…

Destaques: “Varal”, “Navegar Impreciso”, “Rio Severino”

 

Vamo Batê Lata – Paralamas Ao Vivo (1995)

Baixa vendagem? Sem problemas, ao menos para os Paralamas. Desde os tempos de Cinema Mudo, isso não afetou a habilidade de se conectar com o público nos shows. Mesmo na turnê de Severino, o trio ainda lotava apresentações por todo o país. E foi justamente essa conexão que permitiu à banda realizar sua maior reviravolta comercial na carreira.

Vamo Batê Lata (1995) foi o maior êxito comercial da banda, batendo 1 milhão de cópias vendidas. A inclusão na lista não se dá apenas por isso, mas por mostrar um aspecto essencial do que define os Paralamas: seus shows. Não se trata nem do primeiro álbum ao vivo – esse é D, gravado em Montreux no final dos anos 1980 – e nem o último. Acústico, Uns Dias Ao Vivo e Paralamas e Titãs juntos e Ao Vivo todos têm seus diferentes méritos e apresentam facetas diferentes do trabalho musical da época.

Gravado com a formação do trio original mais o tecladista e parceiro de longa data João Fera, Eduardo Lyra na percussão e o trio de metais composto por Monteiro Jr, Senô Bezerra e Demétrio Bezerra, o disco da apresentação no Palace, em São Paulo, condensa muito do que faz a banda uma força potente em qualquer show – inclusive até os dias de hoje. Uma delas é a incorporação de covers e citações a outros artistas, num movimento que vai além dos shows: “Um a Um”, de Jackson do Pandeiro, que já havia sido gravada em Bora Bora, recebe uma nova versão mais ritmada  (dessa vez incluindo o próprio pandeiro), e “Você”, de Tim Maia, que a banda toca desde Selvagem?, são dois exemplos. E não para aí: “Meu Erro” recebe uma citação de “Soul Sacrifice”, de Santana, um dos grandes ídolos de Herbert. É algo recorrente, como mostra a junção de “Selvagem” e “Polícia”, dos Titãs, em “D”. Ou, mais recentemente, com “Vital e sua Moto” junto de “Don’t Stand So Close To Me, do The Police.

E Vamo Batê Lata serve também para destacar o grande fator que explica o sucesso ao vivo da banda. Herbert, Bi e Barone são três músicos de primeira linha tocando juntos ininterruptamente há décadas. Já não bastassem suas habilidades individuais, a parceria e química do grupo permitem que mesmo “Alagados” soe tão bem quanto no estúdio ou “Trac Trac” – com canja de Fito no show – fique ainda mais encorpada do que quando apareceu em Os Grãos.

Durante uma fase especial nos palcos – o que seria reforçado no lançamento de Acústico (1999) alguns anos depois –, os Paralamas aparecem em aqui do melhor jeito que sabem. Juntos, em sintonia e misturando referências sem perder a capacidade de carregar o público através dessa colagem de citações.

Destaques: “Um a Um”, “Trac Trac”, “Caleidoscópio”

 

Longo Caminho (2002)

Ao falar sobre a carreira dos Paralamas, é difícil não fazer menção ao acidente de avião de Herbert em 2001. Momento traumático na vida do cantor, que perdeu a esposa e passou a locomover com cadeira de rodas, o caso também alterou a trajetória da banda. Apesar da gravidade da situação, o trio retomou as atividades após os meses de recuperação de Herbert e se readaptou a essa nova realidade. Mesmo precisando lidar com as repercussões do acidente, que seguem até hoje, o trio voltou a se apresentar ao vivo com a mesma intensidade de sempre e a gravar em estúdio.

Longo Caminho (2002) é um álbum que involuntariamente junta o antes e depois da banda. As canções, compostas antes do acidente, só puderam ser gravadas após a recuperação de Herbert. Só que, mais do que representar a retomada da jornada do Paralamas, Longo Caminho também ilumina o percurso sonoro que o grupo vinha trilhando há alguns discos. Com uma pegada mais radiofônica e comercial desde Nove Luas (1996), os Paralamas tinham voltado a lançar grandes sucessos mesmo nos álbuns de estúdio e Longo Caminho não foge dessa proposta. Não se trata de dizer que a banda tenha aberto mão de suas referências ou experimentações, mas basta ouvir a trinca que abre o álbum para perceber  um trabalho muito diferente de Severino ou Selvagem?.

Em “O Calibre”, a letra com forte crítica social surge acompanhada de uma levada bem mais tradicionalmente roqueira do que o usual se tratando de Paralamas; no caso de “Seguindo Estrelas”, por exemplo, é possível entender a música como uma balada paralâmica tradicional, mas também como uma das composições mais bonitas da carreira de Herbert e com especial destaque para a bateria de Barone. Vale olhar inclusive para o cover de “Running on the Spot”, que incorpora elementos do original do The Jam de maneira absolutamente natural à banda, como nos coros cantados em grupo.  E como não falar do grande sucesso do álbum, a balada “Cuide Bem do Seu Amor”? Um dos maiores hits da carreira dos Paralamas, a romântica composição eleva-se, em especial, pelo teclado de João Fera, à época, tocando com a banda já por quase duas décadas.

Nos 20 anos desde o lançamento, os Paralamas chegaram a lançar outros discos de estúdio, mas sem o mesmo sucesso generalizado alcançado até esse ponto. Por outro lado, não diminuíram o ritmo de shows e continuam rodando o Brasil nessa união feliz das últimas quatro décadas – ainda provando que um dos melhores jeitos para entender os Paralamas foi, é e será sendo ver o trio em cima do palco. E, claro, ouvir os cinco discos acima como preparação para a experiência.

Destaques: “Seguindo Estrelas”, “Running On The Spot”, “O Calibre”

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