Resenhas

Ailum – Quem Me Salvará Sou Eu

Marano (A Banda Mais Bonita da Cidade) lança disco solo confessional e belo

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Ano: 2017
Selo: Independente
# Faixas: 11
Estilos: MPB, Pós-MPB, Eletrônica
Duração: 42:14
Nota: 4.0
Produção: Du Gomide, Carlos Zubek, Rodrigo Lemos e André Prodóssimo

Já falei de algo semelhante aqui, mas não custa lembrar: para cada aberração midiática, feita para consumo imediato da massa, há um artista refinado. Essa proporcionalidade fica evidente quando ouvimos este primeiro disco de Ailum, Quem Me Salvará Sou Eu. É bom lembrar que a mente pensante – e executante – por trás do álbum é Marano, baixista do grupo A Banda Mais Bonita da Cidade, formação paranaense que chegou a arranhar a redoma que mantém os dois ambientes – midiático e refinado – estanques e, aparentemente, incomunicáveis. Na verdade, essa proporcionalidade só importa para que percebamos o oceano de possibilidades que está sob o óbvio e o estagnado, um manancial imenso, esperando por mais visibilidade, valor e reconhecimento, uma espera que não significa esmorecimento, pelo contrário. A cada dia surge mais gente bamba querendo mostrar seu valor.

Voltando a Marano, ele lança sob o nome Ailum um disco extremamente pessoal, no qual busca equilibrar um conceito tão batido como MPB para uma modernidade mutante e estonteante, que comporta, quase paradoxalmente, um trabalho tão plural. Tem Eletrônica, tem aproximação com o conceito inventivo do Dub jamaicano, busca por referências clássicas de Milton Nascimento e Gonzaguinha, além de lembrança/valorização de alguma estética indígena, algo que sai naturalmente, sem que pareça forçado. Tudo, na verdade, parece bem espontâneo, com cara de declaração, comunicação, nunca de algo que se faz por obrigação. O álbum é quase um manifesto assinado por Marano e seus colaboradores, que se juntaram para dar voz a impressões colhidas no dia a dia, cujo destino nunca poderia ser outro. Ditas à surdina, eloquentemente silenciosas, essas canções preenchem o espectro sonoro possível.

Algumas canções falam por si: Já Viveu Em Mim é uma belezura poética, com cadência clássica, ar de mata com cheiro de chuva e frio que cai com a tarde. Ela meio que se junta com Floreie Em Paz, que tem uns metais estranhos e harmoniosamente dispostos, os mesmos que também aparecem com outra dinâmica em Savana, instrumental que tangencia algo que Bixiga 70 poderia fazer em termos de Afrobeat. Mana tem montagem eletrônica cheia de ginga torta, que contrasta com a doce voz de Uyara Torrente, companheira de Banda, surgindo como voz principal em grande estilo.

A Eletrônica, na verdade, o uso que Ailum faz dela, é o grande motor do álbum. Ela surge como meio de viabilização das próprias composições, caso de Recomeço, que mistura um timbre de cordas/metais/seja lá o que for, que chega a lembrar o que Bjork conseguiu lá em 1994, com seu álbum de estreia, Debut. Mas não é só isso, a perspectiva do inesperado a cada compasso, coloca o ouvinte num estado de expectativa que vai se mantendo ao longo das canções de forma natural e inevitável. Também é intrigante o uso dela no semi-samba Ele Viveu E Continuará. No fim, na apoteótica Nossa Força, já estamos com vontade de recomeçar algo novo. Sim, o disco traz esse tipo de escrita desconcertada/desconcertante.

Meu primeiro texto sobre música de 2018, fico feliz por ter ouvido algo que trouxe tão bom presságio para o novo ano. Um pequeno grande disco.

(Quem Me Salvará Sou Eu em uma música: Mana)

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BOM PARA QUEM OUVE: Tim Bernardes, Cesar Lacerda, Baleia
ARTISTA: Ailum
MARCADORES: Eletrônica, MPB, Ouça, Pós-MPB

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.