Resenhas

Yard Act – Where’s My Utopia?

Em segundo disco, banda britânica incrementa o pós-punk de sua estreia e reflete sobre padrões e demandas da indústria

Loading

Ano: 2024
Selo: Island Records
# Faixas: 11
Estilos: Pós-Punk, Pós-Punk Revival
Duração: 43'
Produção: Yard Act, Remi Kabaka Jr.

Como boa parte das bandas reveladas no revival do pós-punk dos anos 2010 (ou mesmo as dos 2000), o quarteto inglês Yard Act tem um primeiro registro completamente mergulhado em suas influências, revelando sua identidade a partir dos ecos das bandas nas quais se inspiraram. E é inegável que The Overload tem grande carga do teor verborrágico de bandas como The Fall. E também como outras bandas do estilo fizeram no passado, a partir do segundo álbum, há uma adição de personalidade com a incorporação de novos elementos (sejam eles vindos de outros grupos do pós-punk ou não). A mesma cartilha é seguida aqui em Where’s My Utopia?, segundo disco dos britânicos.

Depois de um sucesso, digamos, inesperado, com um debut “estranho” mesmo para os padrões do gênero, os quatro integrantes – e principalmente o vocalista James Smith – se viram numa situação em que tiveram que processar rapidamente todas as mudanças em suas vidas. De ilustres desconhecidos a turnês e festivais ao redor do mundo, além de late night shows e outros sintomas de uma fama repentina. Surge daí – e de um senso ímpar de ironia – o substrato para o segundo álbum do quarteto de Leeds. Mais do que resolver antigos problemas, esse excesso de atenção parece ter trazido novos.

O single “We Make Hits” talvez seja uma das músicas que melhor abordem isso. Em meio a clima bastante dançante, Smith e companhia dizem coisas como “We make hits, two broke millennial men, and we’d do it again” ou “Every night on the back of the bus, you know it ain’t no fuss, we’re on the same wage and we ain’t afraid to get paid on the stage”. A canção se debruça, de maneira bem direta, a relação da banda com a fama e a possibilidade de tudo isso acabar logo (“We just wanna have some fun before we’re sunk / And if that’s the attitude you exude then you know you’re really punk”) – quase como um mecanismo para lidar como a fugacidade da indústria musical atual.

Outra canção que revela muito do ethos do quarteto para este álbum é a improvável “Blackpool Illuminations”. Com seus mais de 7 minutos, a canção se desenvolve num spoken word (que mais parece um fluxo de consciência) de James Smith, que fala com alguém, talvez um terapeuta. No meio das memórias infantis evocadas pelo vocalista seu interlocutor pergunta: Você está inventando isso?”. “É parte disso, sim. Por quê?”, responde ele. “Bem, por que você está fazendo isso?”, retruca o interlocutor, e Smith não hesita em responder: “Eu só não queria sobrecarregar ninguém com a verdade” – quando ele retoma um novo monólogo sobre nunca atingir a utopia criada em sua cabeça.

Musicalmente, o álbum mostra uma banda que se aventura bem mais que no disco anterior. Com a ajuda do produtor Remi Kabaka Jr. (que já colaborou também com o Gorillaz), o grupo abraça o pós-puink de maneira mais livre – ainda que a verborragia e vocal falado de Smith continuem sendo a tônica por aqui. Há a maior presença de um baixo funkeado em algumas faixas (como em “We Make Hits” ou “When the Laughter Stops”), há auto-tune ( “Petroleum”), sintetizadores (“Grifter’s Grief”), violinos (“The Undertow”), e até mesmo a presença de um quase-rap em “Down by the Stream” ou de algo mais dance em “Dream Job”. Fica evidente um frenesi em experimentar os limites da própria banda, talvez numa forma de se estabelecer como um grupo que não se prende dentro de uma caixinha estilística.

Veja bem, esse ainda é um disco que carrega a mesma tradição contestadora iniciada pelas bandas lá no final dos anos 1970 em Manchester, porém é também muito mais que um revivalismo do pós-punk. De forma bastante irônica, o Yard Act consegue fazer um comentário metalinguístico sobre o mercado da música (e o caótico cenário midiático) – e, alguma forma, fazer isso soar radiofônico. Pode até mesmo soar como crítica ao quanto os artistas têm que se moldar ao mercado para soar comercial ou quanto esse consumo de música se tornou superficial ao longo dos anos. E fazer isso sem plastificar sua própria obra é algo Where’s My Utopia? consegue alcançar.

(Where’s My Utopia? em uma faixa:We Make Hits”)

Loading

ARTISTA: Yard Act

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts