Resenhas

Kendrick Lamar – good kid, m.A.A.d city

Jovem rapper traz disco coeso, repleto de batidas precisas, tornando-se um dos grandes lançamentos de Hip Hop do ano.

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Ano: 2012
Selo: Interscope,Top Dawg, Aftermath
# Faixas: 12
Estilos: Hip-Hop, R&B
Duração: 68:15
Nota: 4.5
Produção: Dr. Dre

Existem diversos fatores que fazem um disco Hip-Hop se sobressair diante dos milhares de lançamentos que o estilo recebe anualmente. Batidas precisas, rimas consistentes e boas letras estão no menu ideal de um bom álbum, no entanto, quando tudo isso é criado e ainda com uma história e unidade por trás, nós temos um vencedor. É isso que acontece com o debut de Kendrick Lamar em uma grande gravadora, Interscope, chamado de good kid, m.A.A.d city.

Na capa, os dizeres “um curta-metragem de Kendrick Lamar” dão o tom que a obra segue. Produzido e seguido de perto pelo perito em batidas, e rei do Hip-Hop, Dr. Dre, o álbum acompanha de perto a jornada de Kendrick adolescente, que pega emprestado o carro de sua mãe para encontrar uma menina chamada Sherane. No decorrer da viagem, o garoto experiencia o estilo de vida de gangsteres de Compton, Califórnia, junto de seus amigos, até cair na real quando um deles é morto. Diversas músicas são acompanhadas de mensagens de voz ao final, com diálogos de familiares dando mais intensidade ao disco.

O disco é carregado de batidas mais pesadas, fugindo um pouco do mainstream do Hip-Hop atual, inundado de auto-tunes e ritmos prontos para as pistas de dança. Com isso, o tom do disco se torna muito mais confessional, quase que um retrato de um jovem que vive em uma comunidade dominada pelo crime e que acaba se deslumbrando com um mundo recheado de dinheiro, mulheres e violência.

Sherane a.k.a Master Splinter’s Daughter inicia a jornada atrás da garota. Com uma batida pesada e delineada no baixo compassado, a letra aborda quando Kendrick a conheceu (“I met her at this house party on El Segundo and Central”) para depois começar adquirir sentimentos por ela (“The summer had passed and now I’m liking her”). Ao final, sua mãe liga e não consegue falar com o rapper, mas deixa uma mensagem de voz: “Onde você está? Espero que não esteja com aquela Sherane, ou mexendo com os garotos do bairro”.

Em Bitch Don’t Kill My Vibe, Kendrick confessa que é um pecador e que provavelmente vai pecar novamente. Com batida lenta no drum machine, marcada em alguns poucos acordes de guitarra, o rapper pede encarecidamente que o deixe sozinho para curtir o seu momento. Backseat Freestyle explora uma pegada mais gangsta, que faria Kanye West escalá-lo para o próximo disco do G.O.O.D Music.

A batida que inicia The Art Of Peer Pressure soa como os grandes tempos da disputa entre 2pac e Notorious B.I.G, um som bem anos 90. Porém, uma quebra de ritmo entra para que uma nova fase de seu diário seja escrita: “Me and my niggas four deep in a white Toyota/A quarter tank of gas, one pistol, and orange soda”, a batida é repetida e tem um tom de suspense até que o clímax chega quando um carro de polícia começa a persegui-los, mas sem sucesso: “But they made a right, then made a left, then made a right /Then another right /One lucky night with the homies”.

Money Trees com Jay Rock é, de longe, a melhor música do disco. Sua batida é hipnotizante com uma guitarra em loop ao fundo, sample de Silver Soul da banda de Surf Psicodélico Beach House, e tem as rimas de Kendrick se encaixando perfeitamente com a bateria colocada milimetricamente. É possível imaginar um grupo de gangsteres dirigindo bem devagar, com os vidros abaixados e demonstrando confiança devido ao seu estilo de vida arriscado. “But the one in front of the gun lives forever”, ecoa no verso.

Poetic Justice traz uma das últimas revelações do Hip-Hop, Drake, para uma participação especial. Ambos rimam de forma muito semelhante nesta canção que tem um sample retirado de Any Time, Any Place de Janet Jackson. good kid traz a batida mais psicodélica do disco, com uma flauta que lembra um encantador de cobras misturado a um baixo que flui bem com os graves nos versos que repetem os dizeres “Mass hallucination baby”.

m.A.A.d city, com MC Ehit, é dividida em duas partes. A primeira, com Kendrick nos versos, retoma o lado gangster de outras músicas, com a letra mais pesada do disco. Quando o MC Ehit entra, o tom da faixa se torna ainda mais dramático, como se uma batalha de Rap estivesse acontecendo entre ambos “If I told you I killed a nigga at 16, would you believe me?” diz Kendrick no momento mais ameaçador da canção.

Swimming Pools(Drank) foi o single de lançamento escolhido pelo rapper. Apesar de não ser tão comercial nos versos, representa bem a pegada demonstrada durante o disco para, depois no refrão, se tornar um Hip-Hop grudento. Sing About Me, I’m Dying of Thirst é uma música épica de 12 minutos, em que metade é um R&B melancólico com uma batida conduzida no piano e na guitarra acústica, e que expõe o caso de seu amigo morto, e a segunda parte é um Rap confessional, como se Kendrick estivesse diante de um padre enumerando seus pecados e tentando fugir dos pensamentos que o assombram devido a morte vista diante de seus olhos.

Real com Anna Wise é uma balada quase romântica, uma tentativa de Kendrick demonstrar que, apesar de seus defeitos, ainda é uma boa pessoa e que os outros vêem isso nele (“I promise that I know you very well/Your eyes never lie even if they tell/Sweet lullabies that come with a smell”). Ao final, uma dura de seus pais em formato de mensagem de voz segue junto à batida, uma forma de tentá-lo amadurecer: “Any nigga can kill a man, that don’t make you a real nigga/Realness is responsibility, realness is taking care of your motherfucking family, realness is god, nigga”, diz seu pai, para depois sua mãe terminar com “If I don’t hear from you, by tomorrow… I hope you come back, and learn from your mistakes. Come back a man”.

Compton, com Dr. Dre, encerra o disco como sua música mais Pop, com batidas que lembram a estética expansiva de Watch The Throne do duo Kanye e Jay-Z. Na música, Kendrick e Dre interagem perfeitamente, em uma música que deve virar single devido ao seu apelo radiofônico.

Assim como outros estilos de música, como o Rock, Pop e Folk, o Hip-Hop está inundado de lançamentos, se tornando cada vez mais difícil se destacar no meio. Para isso, é necessário inovar, ir além das simples rimas. É escolher um ótimo produtor (no caso, Dr. Dre) e tornar esta escolha a melhor possível. Kendrick faz isso magistralmente em um disco confessional, coeso, repleto de batidas criativas e atmosféricas, e que nos fazem lembrar dos grandes momentos do estilo, antes de sua debandada comercial nos anos 2000. Em seu primeiro trabalho em uma grande gravadora, o jovem rapper entrega um trabalho que está certamente entre os melhores do ano.

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BOM PARA QUEM OUVE: Jay-Z, Frank Ocean, Kanye West
MARCADORES: Hip Hop, Ouça, R&B

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.