Resenhas

Ava Rocha – Trança

Cantora lança álbum entre o experimentalismo e a nova MPB

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Ano: 2018
Selo: Circus/Natura Musical
# Faixas: 19
Estilos: Pós-MPB, Experimental
Duração: 61:52
Nota: 3.0
Produção: Eduardo Manso e Fabiano França

Ava Rocha certamente é uma artista com algo a dizer. No caso de Trança, seu terceiro e novíssimo álbum, ela aproveita todas as oportunidades para investigar assuntos pessoais e públicos. Há espaço para indagações sobre si mesma, exposição de percepções diversas sobre o outro, sobre a mulher, sobre o homem, sobre a origem das coisas, sobre o universo e, num plano íntimo, Ava mostra-se extremamente reflexiva sobre os entrelaces da vida da gente com a dos outros e todas as energias que orbitam esses encontros. Não por acaso, a cantora colombiana/brasileira se vale de arranjos, ritmos, flertes com elementos sonoros essenciais/ancestrais e consegue uma atmosfera interessante, diferente e rara. Parece que estamos ouvindo uma pequena, porém tenaz, força da natureza.

Tais predicados, que indicam, sobretudo, força, decisão e resistência, podem, ou não, funcionar quando se trata de transformá-los em uma obra de arte. No caso específico de Ava e seu álbum, as tentativas e o tanto a dizer, acabam atrapalhando o resultado final da maioria das 19 canções contidas em Trança. Em alguns casos, há uma sobreposição de influências, de ruídos, sons, frases, tudo que, por mais intencional que seja, acaba prejudicando a audição e confundindo o ouvinte. Talvez a cascata de informação e referências de Ava ficasse melhor resolvida num livro, numa peça de teatro, talvez em algo audiovisual, com uma dimensão imagética que faria bem ao tanto de informação que vem das caixas de som. Se tratando de música popular, tudo por aqui soa meio confuso e exagerado.

A rigor, há três boas faixas em Trança, sendo uma delas o single Joana Dark, que surge como uma ode à floresta, ao gênero feminino e ao vocábulo “bruxa”, que, numa análise historiográfica às vezes necessária, significa, acima de tudo, “mulher independente e de livre pensamento”, enclausurada em sociedade opressora. Não por acaso, o título atualiza o nome da heroína francesa Joana D’arc, morta na fogueira pela Inquisição Católica. A canção tem alusões explícitas “às ervas” e à sua inserção na sociedade sem mais delongas/problemas. E ao poder curativo que elas podem tem para a própria humanidade como coletividade. Claro, ao mesmo tempo está a perda de preconceito e o avanço social que viria de uma hipotética legalização do uso, mas Ava não se prende a este plano objetivo – nem na faixa, nem no disco – preferindo falar do assunto de forma subjetiva. Para emoldurar sua fala, um arranjo minimalista que emula o tal “tamborzão” do Funk Carioca.

Ao lado desta, Continente e João Três Filhos surgem como acertos melódicos, sempre com destaque para o bom entrelace de violões e guitarras, criando arranjos ricos e eficazes. Ava declarou em entrevista que este álbum se chamaria Pangeia, nome da segunda faixa, pois ela se sentia tentada pela ideia do continente original que recebe este nome, precursos de todos os outros, criados pelo movimento das placas tectônicas do planeta ao longo das eras. O título também alude à morte de seu amigo Tunga, responsável pela capa de seu primeiro disco, Diurno, de 2011. Amigos e convidados estão presentes ao longo das faixas, de Negro Léo, companheiro da cantora, sua filha Una e gente interessante como Tulipa Ruiz, Karina Buhr, entre outros.

Como evento, manifesto, declaração e cutucada na caretice nacional latu sensu, Trança se justifica. Como disco, para ouvir, despertar fruição e entendimento como obra de arte, Ava fica devendo. Apesar disso, merece consideração e esperança por mais coesão no futuro e ganha nossa simpatia pela ousadia e multidisciplinaridade.

(Trança em uma música: Continente)

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BOM PARA QUEM OUVE: Letrux, Giovani Cidreira, Carne Doce
ARTISTA: Ava Rocha
MARCADORES: Experimental, Pós-MPB

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.