SINAPSE: a lua e além

Mort Garson, a conquista espacial, “Eram os Deuses Astrounautas?” e bilionários

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (às quintas-feiras).

 

ERAM OS DEUSES ASTRONAUTAS?

Mort Garson e a conquista espacial

 

O meu texto inaugural aqui na coluna SINAPSE foi sobre o compositor Mort Garson e seu disco Plantasia, feito para ser apreciado pelas plantas. Aliás, mais especificamente, falei sobre o livro A Vida Secreta das Plantas, que, carregado de um imaginário new age, deixou o legado de que plantas gostam de ouvir determinados tipos de música

Mort ficou esquecido por muitos anos até Plantasia ganhar uma reedição do selo Sacred Bones, que alavancou o músico postumamente a um status de ícone cult. Desde então, novidades pipocam graças ao trabalho diligente de arquivistas. Agora, acaba de ser lançado o álbum Journey to the Moon and Beyond, coletânea de músicas gravadas por Garson que trazem como ponto em comum seus sintetizadores cósmicos, com uma pegada um pouco mais psicodélica. Entre elas estão trilhas de comerciais, filmes de blaxploitation e documentários sobre a vida selvagem. No entanto, o ponto principal, “Moon Journey”, é uma música composta para acompanhar a transmissão ao vivo do pouso da Apollo 11 na lua, em 1969, pela CBS.

De acordo com o selo, o áudio foi considerado perdido por décadas, mas o arquivista Andy Zax encontrou uma cópia da fita master enquanto examinava o enorme arquivo de Rod McKuen: “Ao longo de seis minutos, Garson evoca amplas fantasias, zumbidos de sons lunares, silenciadores de gravidade zero e estudos cintilantes”.

Todo esse imaginário retrô-futurista, a conquista do espaço sideral pela humanidade, e até mesmo os esforços arqueológicos para restaurarem os sintetizadores cósmicos de Mort Garson, me remeteram a outro clássico chamado Eram os Deuses Astronautas?, escrito por um autor suíço chamado Erich Anton Paul von Däniken.

Lançado na mesma época em que A Vida Secreta Secreta das Plantas, o livro cozinhava a hipótese pseudocientífica de que as tecnologias humanas ancestrais – as pirâmides do Egito, stonehenge, as estátuas da ilha de páscoa, entre inúmeras outras – na verdade foram introduzidas na terra por alienígenas. Foi esse livro, aliás, que também inspirou o programa Ancient Aliens, do History Channel, que deu origem ao famoso meme.

Jorge Ben cantava influenciado pelos ensinamentos da alquimia quando lançou o álbum A Tábua de Esmeralda (1974). Fascinado com a possibilidade de termos sido colonizados por seres de outros planetas escreveu a canção “Errare Humanum Est”, na qual canta: “Tem uns dias que eu acordo / Pensando e querendo saber / De onde vem o nosso impulso / De sondar o espaço / A começar pelas sombras sobre as estrelas / E de pensar que eram os deuses astronautas”.

Mais recentemente o músico baiano Lucas Santtana reinterpretou o clássico de Jorge Ben Jor no seu álbum O Paraíso. Já escrevi sobre ele por aqui. O interessante, a meu ver, é quando Santtana canta a sua versão de “Errare Humanum Est”, não é o maravilhamento que me vem à mente, e sim um desgosto estranho ao pensar na esquisita sanha contemporânea que a viagem espacial se tornou, na qual bilionários lançam seus ridículos foguetes a esmo na tentativa de alcançar, só por vaidade, outros planetas.

É sintomático como o sonho do colonizador do passado, baseado na ideia de que nossas maravilhas arquitetônicas foram presentes vindos de outras espécies “mais evoluídas”, tenha desaguado nesse sonho da colonização do futuro, em que a ideia de mudar para Marte e viver dentro do império de uma pessoa como Elon Musk ou Jeff Bezos, é vendida como única solução para os problemas terrenos. Ambas fazem parte da mesma tentativa: a de colocar a colonização como uma solucionadora de problemas, quando na verdade se trata do apagamento de uma história de inteligência e criatividade indígena (em todas as acepções da palavra).

Uma anedota para finalizar. Elon Musk tuitou, quando ainda não era dono da plataforma, que iria investir milhões em uma tecnologia capaz de capturar carbono. “Árvores” foi a resposta dada por uma imensa maioria de pessoas. Essa incapacidade de enxergar as respostas mais evidentes me faz pensar em um meme que foi lançado em resposta ao programa Ancient Aliens e que parafraseio assim: não é porque o homem branco não foi capaz de fazer, que foram aliens que fizeram.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte