Resenhas

Lucas Santtana – O Paraíso

No meio da emergência climática, músico sugere uma nova maneira de olhar para o mundo à nossa volta.

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Ano: 2023
Selo: Nø Førmat!
# Faixas: 10
Estilos: Pós MPB
Duração: 36'
Produção: Frédéric Soulard

Em 1974, quando lançou A Tábua de Esmeralda, Jorge Ben estava maravilhado com as escrituras de Hermes Trismegisto e com a possibilidade de termos sido colonizados por seres de outros planetas. Entre as faixas icônicas deste clássico da música brasileira está a canção “Errare Humanum Est”, que, em bom português significa “errar é humano”.

Essa máxima está consolidada na cultura popular, mas significa uma coisa diferente do que a imensa maioria das pessoas acredita. Na verdade, a expressão contém um enigma, que apenas um olhar atento e cuidadoso saberá decifrar. Explico: o “errar” da frase não diz respeito ao engano, mas sim à caminhada. Sim, todo ser humano caminha pela vida, mas a jornada, de acordo com pistas deixadas pelo músico baiano Lucas Santtana, não é para a frente que se faz.

O Paraíso é o nono álbum de estúdio do artista, que, assim como em seus álbuns antecessores, segue interpretando o Brasil, colocando o país como o centro do mundo contemporâneo. Gravado e mixado na França, onde o artista reside atualmente, O Paraíso tem faixas em português, francês, inglês e espanhol, traz parcerias com Flavia Coelho e Flore Benguigui, e, para além das composições inéditas, conta com covers de Jorge Ben e Beatles. Todo esse ecossistema produz um cenário musical que volta o seu olhar para a natureza.

Quando Santanna canta, em sua versão do clássico de Ben Jor, “Tem uns dias que eu acordo / Pensando e querendo saber / De onde vem o nosso impulso / De sondar o espaço”, não é o maravilhamento que me vêm à mente, e sim um desgosto estranho ao pensar na esquisita sanha que bilionários têm em lançar seus ridículos foguetes a esmo na tentativa de colonizar outros planetas. Esse mesmo sentimento naturalista também está presente em faixas como “What’s Life”, em que o verso “we are the robots”, dos alemães da Kraftwerk, é substituído por um “we are the nature”. A mesma coisa acontece na faixa “La Biosphère”, que me põe pensando na Hipótese de Gaia e nos acenos – intencionais ou não – ao filósofo francês Bruno Latour.

Enfim, são muitas as questões filosóficas possíveis de se levantar, mas a elas Lucas Santtana responde com sua estética. O Paraíso exibe músicas tranquilas, com a voz macia do artista em primeiro plano, sintetizadores cósmicos e percussões evocando uma brasilidade essencial, aludindo a nossa herança tropical, mas colocando-a num contexto contemporâneo.

O Paraíso chega num momento oportuno, quando a imagem de Raoni subindo a rampa da esplanada, assim como a posse de Marina Silva e Sônia Guajajara ocupam o imaginário nacional e inauguram o ano de 2023. Ouvir esse álbum é contemplar, através da música, uma promessa que se concretiza no agora e não apenas depois da morte. “Para enxergar o futuro”, Lucas Santtana parece sugerir, “basta olhar para trás”. Tudo isso é, dirá o clichê, também uma maneira de fazer política: não é apenas uma questão de restaurar pautas ambientais, mas de enxergar uma nova maneira de estar no mundo – a maneira original.

(O Paraíso em uma faixa: “O Paraíso”)

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Autor:

é músico e escreve sobre arte