Resenhas

André 3000 – New Blue Sun

Primeiro disco solo do integrante do Outkast é um mergulho experimental pela ambient e propõe nova relação com o tempo e o som

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Ano: 2023
Selo: Epic Records
# Faixas: 8
Estilos: Ambient Music, Minimal, New Age
Duração: 87'
Produção: André 3000 e Carlos Niño

André 3000 é um nome incontornável na história da música contemporânea. Referência obrigatória do hip hop dos anos 1990, André Benjamin construiu sua diversa obra a partir de um olhar muito particular sobre a música de cada período vivido. Em parceria com Big Boi, o Outkast foi responsável por clássicos como ATLiens (1996) e Aquemini (1998), trabalhos que, sob uma original investigação de samples, misturam rap e elementos de jungle/trip hop. Nos anos 2000, com o álbum duplo Speakerboxxx/The Love Below (2003) e os singles “Hey Ya!” e “Roses”, André 3000 se firmou entre as figuras mais relevantes de seu tempo. Mesmo longe do duo, ele continuou trazendo sua criatividade única junto de nomes como Beyoncé e Frank Ocean, além de interpretar Jimi Hendrix no cinema. Com três décadas de uma celebrada carreira, André 3000 se autoriza mais e mais a bancar sua perspectiva. Desta total convicção surge New Blue Sun, o primeiro disco de estúdio solo do artista – e uma das maiores surpresas do ano.

No lugar de raps e beats, temos uma exploração reverberada de ambient/jazz a partir de instrumentos de sopro – digitais e acústicos. Com exceção de duas, as composições ultrapassam a marca dos 10 minutos, trazendo a intensa relação da ambient com o tempo, enquanto André estabelece um vínculo bastante honesto com o ouvinte. Segundo ele, muitas faixas são registros dele tentando decifrar os instrumentos. O disco já abre quase se justificando, na primeira faixa – cuja tradução seria algo como “Eu juro que realmente queria fazer um disco de rap, mas este é, literalmente, o caminho que o vento me levou desta vez”.

A sinceridade deste e de outros títulos enormes do repertório encarna uma pessoalidade e uma introspecção inerentes à obra. Além de expert em hip hop, em hits pop dos anos 2000 e em colaborações magistrais nas músicas de outras pessoas, ele é um pensador do som e do seu tempo. O formato de composições longas e cheias de camadas é um desafio em potencial para o ouvinte, já que o registro é construído entre a experimentação e a aprendizagem, sem saber quando uma começa e a outra termina. Ou seja, André não apenas recusa fórmulas mercadológicas da música, mas nos entrega um documento sonoro deste processo.

As palavras do título são os poucos indícios figurativos que temos para nos nortear. Entretanto, tal qual na “típica” ambient, eles parecem servir muito mais como guia emocional do que efetivamente condutor taxativo. Unindo figuras religiosas e serial killers, estrelas pop e memórias de viagens, nomes de marcas fictícias e insetos, André nos entrega o suficiente para que possamos tirar nossas próprias conclusões. Ainda que não sejam racionais ou definitivas, essas conclusões ajudam a ilustrar um terreno sonoro meditativo.

New Blue Sun não vai agradar a todo tipo de ouvinte, mas certamente não pode ser ignorado. É um repertório que propicia uma relação mais lenta com quem o escuta e um vínculo focado no som e no tempo; você é obrigado a sentir o tempo passar e percebê-lo por entre notas e texturas. Com 30 anos de carreira, André 3000 se autoriza a parar para refletir sobre música – um tipo de respiro que apenas um sábio é capaz de dar.

(New Blue Sun em uma faixa: “Dreams Once Buried Beneath the Dungeon Floor Slowly Sprout into Undying Gardens”)

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Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique