Resenhas

Ana Tijoux – Vida

Após 10 anos sem um disco de inéditas, a rapper franco-chilena retorna autêntica, contemporânea, política – e muito bem acompanhada

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Ano: 2024
Selo: Victoria Producciones
# Faixas: 15
Estilos: Rap, Andino, Reggaeton, Afrobeat
Duração: 46'
Produção: Andrés Celis

A política sempre fez parte da vida de Anamaría Tijoux Merino, nascida na França em 1977 e filha de dois sociólogos chilenos. Seus pais tiveram que se exilar durante os anos da sangrenta ditadura militar de Augusto Pinochet por serem intelectuais de esquerda que se opunham ao regime. Em 1993, ela retornou ao Chile e se inseriu na cena do hip-hop como figura proeminente, desde o grupo Makiza até seus êxitos em carreira solo, como o disco 1977 (2010) e o prestigiado Vengo (2014), de “Somos Sur” e “Antipatriarca”. Nos 10 anos seguintes, ela trabalhou em alguns singles e parcerias, mas, no geral, esteve mais focada na maternidade e em criar música fora do espaço do circuito de gravadoras. Agora, retornou com Vida.

O disco parece refletir bastante esse período, com expressões de revolta e denúncia, mas também momentos de aceitação, reconciliação e principalmente de retomada de uma conexão ancestral com a terra, as cordilheiras e a natureza. Há colaborações notáveis com as lendas do rap Talib Kweli e Plug 1 (De La Soul), além da presença de novos talentos da América Latina, tais quais a porto-riquenha iLe e o conterrâneo chileno Pablo Chill-E, e de europeus como o cantor britânico de neo soul Omar e o jovem italiano Plug. Em entrevista à Billboard, Ana Tijoux afirmou que as colaborações aconteceram de maneira natural e foram interessantes pela diversidade de ideias e sonoridades que trouxeram.

Na abertura “Millonaria” – com videoclipe no estilo “última ceia” e uma direção de arte impressionante –, a rapper segue sua tradição de questionar a distorção capitalista do real valor das coisas, colocando o amor da sua família, a lealdade, o companheirismo e a amizade acima de dinheiro, joias e outros bens materiais. O disco também conta com uma mega produção na arte gráfica e em videoclipes para as faixas “Niñx” e “Tania”: a primeira parece ser um recado para sua filha e a todos os jovens, com um ritmo reggaetonero forte e feito para a pista de dança, mas cheio de consciência em relação a dinâmicas de gênero não-binárias e o poder da ancestralidade na construção da subjetividade nas crianças e adolescentes; já a segunda, apesar da influência também do reggaeton, traz elementos da música tradicional andina e uma levada mais suave, além de trechos em francês, língua que de alguma forma remete à infância e aos primeiros anos de adolescência de Tijoux.

Outras faixas também chamam a atenção, como “Oyeme” e “Cora”, duas canções com bastante groove e elementos instrumentais mais orgânicos, entregando house music na sua forma mais autêntica – o que mostra que, durante a última década, a artista se aventurou por gêneros além do rap. A faixa-título do álbum lembra os primórdios de Ana Tijoux quando ainda era parte do Makiza nos anos 1990, com batidas inspiradas em jazz e soul bem ao estilo velha-guarda do hip-hop, aliadas aos vocais de Omar no refrão.

Vida é ousado, experimental e contemporâneo, agregando um elemento pop aos versos chicletes, mas sem deixar de lado o caráter alternativo e politizado – tão marcante na carreira de Ana Tijoux. Dá para dizer que o tempo fez bem a ela. A torcida é que o registro represente o início de novos caminhos para seu talento múltiplo.

(Vida em uma faixa: “Niñx”)

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ARTISTA: Ana Tijoux

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