Resenhas

Cautious Clay, Joshua Karpeh – KARPEH

Segundo disco do multi-instrumentista é um mergulho sensível por sua infância e ancestralidade, no qual o seu típico R&B se encontra fortemente com o jazz

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Ano: 2023
Selo: Blue Note
# Faixas: 15
Estilos: Pop, R&B, Jazz
Duração: 41'
Produção: Cautious Clay e HXNS

Seria a expressão artística de cunho pessoal uma resposta ao entendimento do quão solitária é nossa experiência na Terra? Quando artistas entendem que ninguém mais no mundo tem uma vivência idêntica às suas, nem mesmo um gêmeo ou uma gêmea, nasce daí o desejo de contar aos outros como é viver sendo você – e não outra pessoa?

Escutar KARPEH leva a essas questões. Afinal, a obra apresenta Cautious Clay pela primeira vez com seu nome de nascença, Joshua Karpeh, em uma investigação íntima tanto de suas raízes, quanto de suas angústias. Nas plataformas digitais, ambos os nomes aparecem como artistas, dando uma interessante aparência de uma parceria “dele consigo mesmo”, o que também está ligado ao conteúdo do álbum.

Muitas das músicas expressam um desejo de completude, dialogado pelo músico com a metáfora/lugar comum da “outra metade” – a ideia de que há um ser humano no planeta que te complete e, sem essa pessoas, você tem um pedaço, ou metade de si, faltando. Embora Joshua nunca seja claro se está falando da busca por um romance, ou se isso se refere a outra questão, é sempre nítido que sua inquietude hoje é essa: buscar aquilo que lhe falta.

“I’m in the throws of my existence” é a frase que abre “The Tide is My Witness”, uma das músicas mais urgentes do disco – uma sensação que vem do ritmo, do arranjo e de como os timbres vão e vêm de repente ao longo de sua extensão. Depois dela, “Take a Half (A Feeling We Chase)” e “Another Half” explicitam de vez a tal busca por completude, ou pela sensação de estar completo, e que talvez resolva essa turbulência existencial que guia o disco.

No processo, ele revisita memórias de família por meio de falas que surgem entre as faixas, que apresentam anedotas sobre sua infância e sua ancestralidade. No interlúdio “Walls & Roof”, escutamos a história de uma família que se muda para uma casa que só teve sua construção concluída quando os filhos do casal, já adultos, juntaram dinheiro para terminá-la. Em seguida, em “Unfinished House”, o músico retoma a história de um ponto de vista mais sensível, talvez no medo de repetir os erros de seus antepassados e deixar as coisas também pela metade (inclusive o seu próprio senso de si).

Pode ter a ver com fazer 30 anos, ainda mais para um artista que dedicou os seus 20 anos a uma mescla de pop e R&B que, por mais caprichada que fosse (e de fato sempre foi), ligava sua música a um universo bastante jovem, até mesmo adolescente. KARPEH, primeiro disco do músico lançado pela célebre gravadora Blue Note, cumpre sua função de ser um disco “de gente grande”, se norteando pelo jazz – com participações gloriosas do guitarrista Julian Lange e da cantora Arooj Aftab – sem nunca abandonar o que conhecemos de Cautious Clay. Não é um álbum de pop, de R&B ou de jazz, mas é uma obra que tem todos esses elementos, e de uma forma ainda superior ao que ele apresentou no passado.

São breves pistas de quem Joshua Karpeh é, e que nos levam ao encerramento do disco com “Moments Stolen”, quando ele conclui e propõe a solidão como solução, já que ninguém mais vai entender. É o artista que se expressa por sentir-se só no mundo e abraça esse sentimento para resolver uma das relações mais importantes que ele vai viver: a dele consigo mesmo. E que bom que Cautious Clay sempre terá Joshua Karpeh, e vice-versa.

(KARPEH em uma faixa: “The Tide Is My Witness”)

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ARTISTA: Cautious Clay

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.