Resenhas

DINGO – A Vida é uma Granada

Com arranjos lustrosos, terceiro disco da banda gaúcha debate temas existenciais de forma sincera e carismática

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Ano: 2022
Selo: Rockambole
# Faixas: 11
Estilos: Psicodelia, Rock, Pop
Duração: 41'
Produção: Hélio Flanders e Gilberto Ribeiro Jr.

DINGO é uma daquelas bandas com olhar precioso e terno para a ideia de fazer uma canção. Desde 2015, quando estrearam com Maravilhas da Vida Moderna, já se notava que o quarteto gaúcho não entraria exatamente na onda do indie rock brasileiro da época, de bandas como Vespas Mandarinas, Vivendo do Ócio ou Garotas Suecas. No lugar da força das distorções, havia um cuidado especial com a melodia e as letras – tanto no sentido de impulsionar a poética quanto de trazer emoção e um aspecto “chiclete”. Desde então, apreciar uma apresentação do quarteto é estar completamente vulnerável a qualquer sentimento repentino. Você pode rir, chorar, dançar, refletir ou apenas observar, mas certamente não continuará a mesma pessoa.

Aliás, nem mesmo eles parecem estar imunes aos encantos de suas composições e basta um olhar atento à história da banda para perceber como eles foram igualmente atingidos por transformaram. De certa forma, o fato de terem abandonado o nome Dingo Bells e optado por uma “simplificação” é como uma metonímia do amadurecimento artístico. Às vezes, é preciso deixar algumas coisas no passado para seguir em frente.

Dessa forma, quatro anos após o último disco de inéditas, o grupo retorna para poder sintetizar o período em forma de som e voz. O mundo já não parece tão maravilhoso quanto antes e A Vida é uma Granada representa um momento de encarar da vida, a partir da perspectiva mais direta possível. Em entrevista ao Música Pavê, o grupo comenta que a “granada”, apesar de evocar um sentimento de agressividade, não foi parar no título do disco por esse motivo, mas, sim, por conta do elemento surpresa que ela carrega. A vida é surpreendente e imprevisível, assim como o mundo pintado por essas 11 novas canções.

O disco é como um exercício de olhar para a própria trajetória e compreender o jogo que existe entre o velho e o novo. De elementos tradicionais da lírica dingoana, temos novamente aquele misto de letras espertas e ágeis, ao mesmo tempo em que transparecem uma grande admiração pela vida – ouvir as reflexões da banda é tomar consciência tanto pelo conforto quanto pelo espanto. Mas a banda aproveita esse momento para compreender como sua sonoridade pode ser mais bem polida e, nesse sentido, o quarteto acerta em cheio. Com produção assinada por Hélio Flanders e Gilberto Ribeiro Jr., a paleta sonora ainda contorna os timbres de violão e os sempre bem trabalhados arranjos de corda. Porém, agora ganham cores mais vivas e impulsionam ainda mais o fascínio do grupo por temas caros à filosofia e ao existencialismo.

A faixa-título abre o disco de forma ensolarada com um arranjo elegante que alerta o ouvinte (ou até mesmo os próprios integrantes) sobre a imprevisibilidade da vida – “…e ainda não vimos nada”. Beirando pelas orlas da psicodelia brasileira dos 1970, a faixa “Lindo Não” traz arranjos lustrosos de cordas e dão um toque especial à letra agridoce. Mais lenta, “Eu Em Busca de Mim” coloca um tempero folk ao disco, algo que paira no horizonte de Fleet Foxes, mas tem um charme a mais para fora do campo e para dentro de si. “A Desconstrução do Ser” conta com alguns versos em inglês puxando algo de Motown, agregado a um pop mais contemporâneo – entre o indie e o vintage. Com participação de Paola Kirst, “Tropeço” é quente e sutil, com aura sedutora – “não deixe tanta coisa para depois.” Por fim, depois de tanto sentimento e emoção, o disco se encerra em serenidade, como o título anuncia, com “Para Aliviar o Peito”. Uma carona na estética Vanguart, porém com um autêntico abraço no ouvinte por meio da deliciosa frase “não fica tudo bem, nem tudo vai tão mal”.

DINGO dá um passo adiante, mas também olha para o retrovisor com cuidado, e A Vida É Uma Granada soa como o mix perfeito entre o presente da banda gaúcha e sua própria tradição. São temas existenciais debatidos de forma sincera e acalentadora, daquele jeito que apenas quem já experimentou ao máximo as situações narradas é capaz de fazer.

(A Vida é uma Granada em um faixa:  “Lindo Não”)

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ARTISTA: DINGO, Dingo Bells

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique