Resenhas

Honour – Àlááfíà

Disco de estreia do produtor de Chicago traz manuseio de samples diversos e reflete a intensidade e a velocidade da contemporaneidade

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Ano: 2023
Selo: Pan
# Faixas: 14
Estilos: Ambient, Sample-Based, Experimental
Duração: 47'
Produção: Honour

Samplear discos já não é uma novidade em tecnologia musical há pelo menos 50 anos. Ao longo destas décadas, a utilização de trechos de músicas como recurso de composição ajudou a moldar o hip hop e a música eletrônica durante os anos 1980 e 1990. Entretanto, para além de um recurso, a colagem de samples pouco a pouco se tornou emblemática pela maneira como dava forma e expressão à mentalidade vigente no final do século 20 – atravessada pela tecnologia e a supervelocidade de informações. Artistas como Aphex Twin, William Basinski, Burial, DJ Shadow e Boards Of Canada encontraram no recorte de samples uma linguagem eficaz para compreender e representar um tempo marcado pelo aumento do acesso da informações diretamente proporcional a um sentimento de solidão e efemeridade. Uma linguagem que ainda hoje, décadas depois do artistas mencionados, se faz necessária para dar vazão às relações com o mundo contemporâneo.

Esta talvez seja a melhor forma de explicar a importância que o sample tem na construção de Àlàáfía, álbum de estreia de Honour, produtor de Chicago. Mirando além da estética de recortes do hip hop, mas também se desapegando da rigidez do ritmo da música eletrônica, Àlàáfía pode ser resumido como uma experiência que fala do abstrato, mas atinge no concreto. A livre manipulação das músicas cria um filtro pelo qual escutamos trechos distorcidos da realidade. Samples de música clássica, hip hop, R&B, jazz, gospel e música afrodiaspórica se juntam em contextos que, por mais caóticos que pareçam, sempre remetem a algo familiar. Neste trabalho, a distorção é tão preciosa quanto as fontes originais – ao ponto em que, na ficha técnica do disco, está escrito “todas as músicas criadas e destruídas por Honour”.

Como um todo, Àlàáfía funciona como uma ópera sobre a sociedade contemporânea – cada vez mais rápida e que consome informações curtas e diretas. O termo “ópera” tenta exprimir a dramaticidade e intensidade geral da obra, com movimentos sinfônicos grandiosos colocados lado a lado com beats marcantes e sintetizadores etéreos. Honour faz seus recortes de forma rápida e imprecisa, motivo pelo qual o disco se aproxima tão fidedignamente da realidade. Ao longo de 14 faixas, o produtor cria um equivalente dos romances de fluxo de consciência, só que no lugar de palavras, é o som que conduz o raciocínio. As palavras entram como sons que esbarram em significados, nos dando pistas ou atrapalhando ainda mais o que é possível de captar no disco.

Cada ouvinte terá uma experiência particular ao escutar Àlàáfía. Tanto pela pluralidade de significados que cada recorte de sample faz emergir, quanto pelo direcionamento que a vivência de cada um trará para essa grande colagem sonora abstrata. Um disco que funciona como coringa, mas que toca cada pessoa em um ponto diferente – entre construções e destruições.

(Àlàáfía em uma faixa: “When Angels Speak of Love”)

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ARTISTA: Honour

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique