Resenhas

Ian Ramil – Tetein

Menos focado no rock, terceiro disco do músico gaúcho desenvolve ambientação fundamentada em beats, texturas equilibradas e silêncio

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Ano: 2023
Selo: Independente
# Faixas: 12
Estilos: Rock Experimental, Art Rock
Duração: 39’
Produção: Ian Ramil

Em 2015, o músico gaúcho Ian Ramil lançou o ótimo Derivacivilização, que no ano seguinte seria premiado com um Grammy Latino como Melhor Disco de Rock cantado em língua portuguesa. Oito anos se passaram desde então e a volta do cantor e compositor finalmente aconteceu com Tetein, seu tão aguardado terceiro registro de inéditas. Aqui, Ian rompe com qualquer traço de conforto presente em seu antecessor, em um trabalho menos focado no rock, nas guitarras e baterias – que saem de cena para dar lugar a uma ambientação de beats, texturas e silêncio.

A principal inspiração aqui é Nina, filha do músico, que é figura constante durante o disco – seja soltando a voz em faixas como “Canção de Chapeuzinho Vermelho” e “Cantiga de Nina II”, ou ainda como a musa inspiradora de “O Bichinho” e da própria “Cantiga de Nina”. E foi ela ainda que deu nome ao registro – “Tetein”, segundo Ian, foi uma palavra inventada por ela para comunicar algo como “pouquinho” ou “pequenino”; abordagem adotada pelo músico durante a construção da obra, que, apesar dos poucos elementos, está longe de ser minimalista.

Mesmo que reducionistas, as canções aqui não poderiam ser mais diferentes umas das outras – ainda que mantenham grande coerência como obra. A faixa-título é um voz & violão encorpado por arranjos de cordas e melodias vocais à la Brian Wilson; “Cantiga de Nina” é uma canção de ninar que ganha um tom de chorinho dos anos 1950; “Lego Efeito Manada” traz uma amálgama de orquestrações e coros com ruídos eletrônicos; e “Palavras-Vão” é um experimento de também voz & violão que explode num final roqueiro e ruidoso (criado pela mesma banda que gravou Derivacivilização).

Tematicamente, o disco também vai para lugares bem diferentes. Ainda que Nina seja a principal inspiração para a obra, nem tudo é sobre ela ou para ela. Este não é um disco “infantil”. Muitas das letras incorporam uma nova perspectiva de temas que Ian já havia abordado em outras músicas ou parcerias, porém elas agora surgem sob um prisma diferente – o de um pai que anseia um mundo melhor para seus filhos. Longe da fúria do disco anterior, Ramil encontra esperança em suas novas músicas.

Canções como “Macho-Rey” ou “Mil Pares” são prova disso. Na primeira, o músico se debruça sobre a masculinidade tóxica, enquanto, na segunda, critica, entre outras coisas, o sistema capitalista – propondo um mundo novo. “Homem-Bomba”, parceria com o músico Poty, aborda o quanto estamos sendo consumidos pela tela dos nossos celulares. Ainda há espaço para temas mais leves, como a nostalgia de “Teletransporte” ou se sentir parte de algo muito maior “O Mundo é Meu País”.

Em seu terceiro disco e como efeito da paternidade, Ian Ramil encontra um equilíbrio interessante entre contrastes. Tetein abarca diferentes estilos musicais e emoções diversas, mostrando-se, de uma só vez, caloroso e sombrio, íntimo e político, delicado e contundente. Daquelas obras que encantam e provocam na mesma medida – e que falam muito com pouco, mas que também sabem abraçar o silêncio.

(Tetein em uma faixa: “O Bichinho”)

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ARTISTA: Ian Ramil

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts