Resenhas

Maurício Pereira – Pra Onde Que Eu Tava Indo

Novo disco do cantor e compositor paulista une experimentação e melodia em doses certas

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Ano: 2014
Selo: Tratore
# Faixas: 12
Estilos: Eletrônico, MPB, Experimental
Duração: 44:16min
Nota: 4.0
Produção: Maurício Pereira, Tonho Penhasco e Eduardo Marson

A São Paulo de Maurício Pereira é bem diferente da que você conhece. Em meio aos passantes apressados e ao clima cinzento/calorento que se instala, há um sem-número de motivos para sorrir e procurar sutilezas aqui e ali. Na verdade, a música de Pereira vive numa espécie de dobra tempo-espaço, na qual há uma espécie de Sítio do Picapau Amarelo cosmopolita e com diploma universitário, com gente que se informa pela internet, pelas revistas de música importadas e pelos programas culturais disponíveis. É uma música esclarecida, lúdica, simpática e que, quando consegue dosar referências e boas sacadas melódicas, torna-se quase irresistível. Foi assim quando ele fez parte d'Os Mulheres Negras, ao lado do músico André Abujamra, manteve-se inalterado em sua consequente carreira solo e, para felicidade de todos, permanece imune à ação do tempo.

Jornalista, ator e músico, Maurício tem dois álbuns com Os Mulheres e já contabiliza cinco registros solo. Pra Onde Eu Tava Indo rompe um silêncio que já durava quatro anos e mostra Pereira à vontade em sua personalíssima maneira de fazer música. Com a participação de amigos como Tonho Penhasco (que assumiu guitarras e violões) e a produção inicial do engenheiro americano Roy Cicala (que trabalhou com John Lennon e David Bowie, entre outros) – e que faleceu em janeiro de 2014 – o álbum consegue uma unidade bastante sólida. Há pouco espaço para piadas herméticas, talvez o mais frequente risco que produções desta natureza acabam correndo. Tudo é bem musical, antenado e moderno, sem precisar ostentar tais características o tempo todo.

Há pequenos momentos iluminados, sejam em composições próprias, como nas poucas e boas versões. A abertura chega com Notícia, de Nélson Cavaquinho, que tem Maurício recitando a letra e Penhasco acompanhando com uma batucada minimalista numa lata de manteiga. Nessa singela atitude está contido o conceito de menos é mais e toda a esperteza musical que está por vir. Na autoral Nós Três Mais Maria Eunice há o resgate das terminações poéticas semelhantes às que Jorge Ben fez escola em Berenice, lá no distante ano de 1978. Longe de ser datada ou velhusca, a canção tem arranjo que privilegia teclados e baixo, com levada jazzística acima de qualquer suspeita e é moderníssima. Há mais arranjo contemporâneo de Jazz em Aeroplanos (“Você faz tantos planos, fica voando em aeroplanos da imaginação”), de autoria de Jorge Mautner, perfeitamente conectado com a proposta musical.

A faixa título tem uma levada roqueira inegável, cheia de balanço, mas com um pé nas tradições musicais nordestinas, e letra sensacional (“minha avó fritando bife, meu tio pescou lambari, a prima estuda sanfona, os mano lendo gibi e eu carregando sonhos impossíveis de realizar, também não tô preocupado se é Deus que vai realizar”). Há detalhes interessantes em Três Homens, Três Celulares, com arranjo oriental estilizado, a competência instrumental de Deixa Eu Te Dizer e a fluidez Funk de branco em Fugitivos, cheia de versos elípticos e clima de cantiga de roda.

Maurício se arrisca num terreno musical em que sempre o resultado final parece novo e fresco ao ouvinte mais casual. Quem conhece a obra do sujeito, sabe muito bem que esse risco faz parte de sua proposta. Pra Onde Que Eu Tava Indo é cheio de informação e convites para você ouvir, dançar e descobrir novidades o tempo todo. É quase autossustentável neste quesito. Venha conhecer.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.