Resenhas

Niecy Blues – Exit Simulation

Primeiro disco da artista americana une R&B e ambient em repertório de atmosfera íntima e, ao mesmo tempo, densa

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Ano: 2023
Selo: Kranky
# Faixas: 13
Estilos: R&B, Ambient, Indie
Duração: 41'
Produção: Niecy Blues

Exit Simulation não é um disco metalinguístico, mas é o tipo de obra que consegue nos colocar em uma postura contemplativa sobre a própria arte – e, no caso, a música. Pode não ser o mais disruptivo dos trabalhos – e nem se propõe a isso –, mas é uma contramão muito interessante em relação aos outros lançamentos também enraizados em R&B e ambient, principalmente na era do streaming. No lugar de músicas para playlists, temos aqui um trabalho que nos faz pensar também no quanto é valioso quando uma obra se mostra tão autoral.

Niecy Blues é uma artista do Sul dos Estados Unidos. Ela conta que a inspiração chega até ela de forma espontânea, e sua criação é uma resposta orgânica a esses impulsos, passando às vezes dias inteiros trabalhando em uma só composição. Ela cita a igreja como grande influência na maneira como entende o potencial da música fazer alguém sentir algo e explica que este seu primeiro álbum é uma investigação do que está, ou estava, soterrado dentro de si e que guiou essas composições.

Parece óbvio, e talvez seja, mas nem todos os que fazem música criam de uma forma pessoal, de um jeito que só eles poderiam fazer. Exit Simulation é esse tipo de arte, uma obra que exala a individualidade de sua criadora. Sua espiritualidade, sua experiência de mundo e suas vivências com a música pautam cada detalhe do disco e abrem caminhos ao longo do repertório para que ouvintes também participem de sua sensibilidade.

É mais um daqueles discos melhores aproveitados se escutados da primeira à última faixa, da maneira como Niecy nos propõe, em uma ambientação densa e espaçosa. A beleza com que guitarra e baixo constroem esse território sonoro chega a ser esbanjadora – e sempre convidativa. É apenas na terceira faixa que encontramos uma “canção” propriamente dita, “U Care”. Longa e sem pressa de se desenvolver, a faixa apresenta o potencial vocal da cantora, que quase não dá as caras ao longo do disco. Em seus dois minutos finais, o piano se mistura a uma gravação de um culto em igreja, com qualidade de áudio um tanto precária, mas que registra bem a força da busca pelo espiritual.

Esse é um dos temas centrais do disco, evidente também na faixa-título e em “Analysis Paralysis”. Mas a impressão que fica é que Niecy quer construir sua argumentação menos com palavras e mais nas sensações. Há uma espécie de leitmotiv ao longo da obra, um baixo reverberante que, ao invés de romper com o silêncio, parece ir ao seu encontro, e a identidade do álbum em nossa memória é mais essa sonoridade do que a melodia de uma de suas faixas.

É como se Niecy Blues pegasse um pouco do que escutamos em Solange, FKA twigs e mesmo Frank Ocean e levasse essa estética a um lugar ainda mais íntimo do que o desses artistas – a informação de que Exit Simulation foi gravado em casa só reforça seu caráter pessoal. O álbum nos convida a uma postura de engajamento com sua sonoridade, e nos sentimos às vezes tateando no escuro à procura de significados. Quer encontremos respostas para nossas perguntas ou não, sempre damos de cara com uma experiência musical de enorme potência.

(Exit Simulation em uma faixa: “Analysis Paralysis”)

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ARTISTA: Niecy Blues

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.