Resenhas

Noname – Sundial

Em terceiro disco, a rapper de chicago analisa – e sintomatiza – contradições da arte no capitalismo, mas som calcado no neo soul nem sempre parece capaz de envelopar seus anseios

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Ano: 2023
Selo: Independente
# Faixas: 11
Estilos: Rap
Duração: 31'
Produção: Daoud, Saba, Slimwav, Yussef Dayes e outros

Cinco anos separam SUNDIAL (2023), mais recente álbum de Noname, de seu antecessor, Room 25 (2018) – sucesso de público e crítica. Nessa meia década, ela criou um clube do livro focado em autores negros, tretou com J. Cole durante os protestos raciais em plena pandemia e até mesmo anunciou a aposentadoria como rapper. Essas situações a tornaram um nome frequente na ampla paisagem do hip hop americano, ainda que nem sempre por sua música – excelente e celebrada até o momento.

Mas Noname tem um problema com quem celebra sua música. Um de seus (falecidos) tuítes mais repercutidos foi uma declaração dizendo que não fazia música para pessoas brancas e que não queria esse público como ouvinte – um sonho tão utópico quanto o fim do capitalismo americano. Em SUNDIAL, Noname toma a crucial (e esquisita) decisão de colocar um verso antissemita de Jay Electronica, ato que foi justificado por ela em uma postagem no Instagram como sendo uma forma de repelir esse certo público.

Muitos incômodos de Noname têm raiz em sua frustração com o cenário do rap americano e a contradição em que se é inevitavelmente inserida ao decidir fazer parte de uma indústria capitalista. Em “namesake”, uma das melhores músicas de SUNDIAL, ela aponta para a aparente hipocrisia de artistas como Beyoncé e Kendrick Lamar e, em grande trunfo, ela brilhantemente também se inclui na crítica: “Go, Noname, go/ Coachella stage got sanitized/ I said I wouldn’t perform for them/ And somehow I still fell in line”. Como bem definiu Don L: “uma luta contra o mundo para fazer parte do mundo que cê luta contra”.

Noname sabe que não está imune às mesmas tentações e críticas e é brutalmente honesta consigo mesma e, por consequência, conosco. Com essa honestidade, ela tem a coragem de se mostrar como pessoa comum, mais uma de nós, tentando escapar do amaldiçoado adjetivo de “necessária”. No melhor do disco, ela surfa com seu flow suave e macio sobre beats funkeados e muito bem produzidos, abordando temas como padrão de beleza e problemas de namoro, em sons que parecem uma divertida conversa de manicure entre mulheres negras — corriqueiras e do mundo real.

Por outro lado, a abordagem no neo soul de certos momentos soa incompatível com seus objetivos — seja mudar a demografia de seu público, seja a revolução, ou simplesmente se divertir como mulher negra comum. Não me entenda mal: eu amo D’Angelo, Lauryn Hill e Maxwell, mas um pouco de rock e um pouco de macumba não fariam mal para Noname. Ela está certa nos seus motivos: JAY Z ser bilionário é um problema, bell hooks estava certa quando disse que Beyoncé não é tão feminista quanto as pessoas pensam, a representatividade liberal nos ludibria e a vitória individual não significa que a Favela Venceu.

Mas, a essa altura do campeonato, algumas roupagens escolhidas para as músicas atenuam suas ideias e se tornam incompatíveis. Tyler, The Creator, um rapper que sempre teve audiência bastante branca, sabe que também inspira jovens negros — e os atrai pelo som. Pink Siifu, com o disco de punk rock NEGRO (2020) ou seu divertidíssimo clássico GUMBO! (2021), se aprofunda em tendências sulistas do trap à sua maneira e também atrai uma audiência negra estando sob o mesmo guarda-chuva de “rap alternativo”. Noname não é o clipping. ou o Death Grips.

Com exceção de faixas como “namesake”, “Beauty Supply” e “Gospel?”, com os excepcionais billy woods e $ilk Money, SUNDIAL soa insosso e tedioso, principalmente se comparado ao deslumbrante Room25. Se nos seus momentos mais divertidos e acertados o disco de Noname encarna uma conversa entre mulheres negras, talvez somente dona Ana, mãe de Mano Brown, seria capaz de aconselhar a artista: “Noname, acorda, pensa no futuro, que isso é ilusão…”

O que Noname demonstra nos melhores momentos do disco é que duas verdades podem existir ao mesmo tempo: ela pode ser uma defensora sincera de mudanças radicais e esquerdistas em nossa sociedade, ao mesmo tempo em que carrega uma retórica“hotep” – que acredita em teorias da conspiração, porém de uma perspectiva negra e afrocentrada – questionável. Inconsistências que fazem parte de ser humano. A expectativa de que as pessoas, inclusive os artistas, sejam praticantes de discursos ou mensagens políticas perfeitas é um simulacro. Ela está certa. Mas que seria interessante ver a artista ter uma coragem menos ingênua em relação a seu próprio som — não ao discurso, nem às rimas (sempre muito afiadas) —, mas especialmente ao som, isso seria.

(SUNDIAL em uma faixa: “namesake”)

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