Em 2017 o músico japonês Ryuichi Sakamoto lançou async, um álbum contemplativo que explorava o conceito de assincronia, experimentando com composições fora dos compassos tradicionais da música. Na época, eu descrevi as faixas do álbum como pequenas joias assentadas no leito de um rio, sendo polidas com paciência e cuidado por uma corrente de água cristalina.
Em seguida, ainda com esse conceito em mente, Ryuichi Sakamoto participou da elaboração da ópera Time, baseado em um estilo tradicional de teatro japonês chamado Nô, em que um ator caminha lentamente sobre a água, tentando trilhar um caminho reto e chegar a tempo ao seu destino, sem conseguir, no entanto, atingir seu objetivo.
Cito esses dois exemplos para contextualizar 12, o seu mais recente trabalho, que é também reminiscente das mesmas preocupações: uma obra suave e delicada em que podemos pressentir a passagem do rio do tempo através do som.
Desde o final de 2020, o músico se mudou de Nova Iorque, onde morou por 30 anos, de volta para Japão, por conta de um tratamento de câncer. Durante esse período, não apenas de um isolamento doméstico incomum em tempos de pandemia, como também de um retorno a um país de origem, Sakamoto gravou, ao longo de um ano, algumas músicas que agora alcançam seu destino final neste álbum. Os títulos das faixas são apresentados como datas e, assim, podemos acompanhar a evolução do trabalho como acompanhamos excertos de um diário íntimo e pessoal, que agora vem a público.
Ouvir 12 é também contemplar. A grande maioria das faixas tem um aspecto ansiolítico e meditativo. Nelas, um piano cristalino e um sintetizador granulado criam uma atmosfera úmida e serena. No entanto, três faixas se destacam desse amalgamado – em “20220202” um grave se aproxima como uma presença ominosa; “20220302”, que traz no título a definição “sarabanda”, está organizada dentro de um estilo musical mais ensolarado; e a última “20220304”, a única que não se encontra em ordem cronológica, apresenta um tilintar que serve de encerramento para a meditação que a precede. Fora isso, 12 é uma peça mais ou menos homogênea que, assim como um rio, é sempre semelhante, mas nunca exatamente o mesmo.
Existe uma tentação em classificar 12 a partir do enfrentamento da doença pelo qual Ryuichi Sakamoto está passando, mas fazer isso é reduzir o alcance de sua obra. É um álbum sobre o tempo e, portanto, sobre a vida. Mais especificamente, sobre como nós humanos tentamos defini-la a partir de nossa percepção limitada. 12 tenta transcender nossa finitude: o rio nunca deixa de correr e, quando deságua no mar, se torna parte de algo maior. Assim é também com a música de Ryuichi Sakamoto.
(12 em uma faixa: “20220123”)
